segunda-feira, 28 de junho de 2010

6- Discutindo Ideologia 1 - Coluna do professor José Luiz Quadros de Magalhães

IDEOLOGIA: O ENCOBRIMENTO DO REAL NA CONTEMPORANEIDADE
Professor Doutor Jose Luiz Quadros de Magalhães

Várias são as formas de dominação. Tem poder quem domina os processos de construção dos significados dos significantes. Tem poder quem é capaz de tornar as coisas naturais. Diariamente repetimos palavras, gestos, rituais, trabalhamos, sonhamos, muitas vezes sonhos que não nos pertencem. A repetição interminável de rituais de trabalho, de vida social e privada nos leva a automação. A automação nos impede de pensar. Repetimos e simplesmente repetimos. Não há tempo para pensar. Não há porque pensar. Tudo já foi posto e até o sonho já está pronto. Basta sonhá-lo. Basta repetir o roteiro previamente escrito e repetido pela maioria. Tem poder quem é capaz de construir o senso comum. Tem poder quem é capaz de construir certezas e logo preconceitos. Se eu tenho certeza não há discussão. O preconceito surge da simplificação e da certeza.
O nosso mundo convive, hoje, com formas poderosas e extremamente concentradas de poder. Vivemos um embate nos meios de comunicação para a construção de verdades que sustentam estes poderes. Nunca vivemos, de forma tão agressiva, a manipulação da opinião e das noticias como a que hoje assistimos na grande mídia brasileira. Por este motivo é fundamental estudarmos os mecanismo ideológicos de manipulação e encobrimento do real. Quem detém o poder de construir os significados de palavras como liberdade, igualdade, democracia, quem detém o poder de criar os preconceitos e de representar a realidade a seu modo, tem a possibilidade de dominar e de manter a dominação.
Este Poder, encoberto pela representação distorcida (propositalmente distorcida), funda-se em ideologias, em mentiras. Um exemplo que podemos citar se refere a uma das grandes mentiras contemporâneas: o mercado, ou a vitória de um sistema que se mostra como único e que se funda na mentira da matematização da ciência econômica.
A força da ideologia se mostra quando ela é capaz de fazer com que as pessoas, pacificamente, aceitem as coisas como elas são, por mais absurdas que pareçam. É impressionante a incapacidade de reação, a apatia e a acomodação vigentes. A falta de reação pode se justificar pela incapacidade de perceber o real ou então da aceitação deste real como algo natural.
Se as pessoas acreditam que a história acabou, que chegamos a um sistema social, constitucional e econômico para o qual não tem alternativa, pois ele é natural, pois ele é o único possível, ou por que ele é o vitorioso, não há saída. Para estas pessoas, a alternativa que está gritando em seus ouvidos não é ouvida, a alternativa que está em seu campo de visão não é percebida.
Vamos, de forma muito resumida, procurar entender o processo de construção de uma ideologia (de um encobrimento ou de uma mentira) por meio deste exemplo. Se a economia não é mais percebida como ciência social, se o status de suas conclusões passa para o campo da ciência exata (o que é mentira), logo a economia não pode mais ser regulada pelo Estado, pelo Direito, pela democracia. Não posso mudar uma equação física ou matemática com uma lei. De nada vai adiantar. A matematização da economia é a grande mentira contemporânea. Se a economia é uma questão de natureza, ou se a economia é uma questão de matemática, se a economia não é história, quem pode decidir sobre a economia são os economistas matemáticos (escondidos por uma falsa neutralidade cientifica) por meio de seus cálculos, jamais o povo, jamais a democracia, jamais o direito. Isto ajuda a entender o processo crescente de indiferenciação dos projetos econômicos dos partidos políticos e dos governos. Em muitos países do mundo há um crescente e perigoso desinteresse pela democracia representativa, com altíssimos índices de abstenção nas eleições.
Esta é a ideologia que sustenta um mundo governado pela criação permanente de demanda. A razão não manda mais no mundo, mas um desejo desenfreado de consumo. O problema não é o desejo comandar. O problema é que não são os nossos desejos que comandam, mas os desejos de poucos que nos fazem acreditar que os seus desejos são os nossos desejos.
O primeiro passo para revelar o real encoberto deve ser em direção à história. Precisamos perceber que somos seres históricos que vivemos em um universo histórico em permanente processo de transformação, e que nós, como seres humanos racionais temos a capacidade de fazer a nossa história. Nós podemos fazer de nós mesmos e de nossa sociedade o que nós quisermos. Mas para isto precisamos voltar a acreditar na história. Não estamos condenados a nada.

2 comentários:

  1. Professor, seus textos são libertadores. Além disso, gosto muito da forma que escreve. Em especial, gosto de seu curso de Direito Constitucional; é diferente de todos os outros que se encontram na biblioteca da minha faculdade.

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  2. Grande texto. Pena que poucos estudantes de economia vão ler.

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