segunda-feira, 28 de junho de 2010

5- Discutindo o Estado Social - Coluna do professor José Luiz Quadros de Magalhães

O necessário resgate dos direitos sociais

Professor Doutor José Luiz Quadros de Magalhães

Para nós no Brasil, que não vivemos, ainda, um Estado Social efetivo, que fosse capaz de oferecer saúde, educação e previdência de qualidade para todos, o caminho para a inclusão e efetiva participação do nosso povo como cidadãos é o da fragmentação coordenada do poder, a descentralização radical de competências fortalecendo os estados e principalmente os municípios, assim como tornar permeável o poder, com a criação de canais de participação popular permanentes, como os conselhos municipais, o orçamento participativo e outros mecanismos de participação, assim como o incentivo permanente a organização da sociedade civil, e o fortalecimento dos meios alternativos de comunicação como as rádios, jornais e televisões comunitárias. Podemos, e assim estamos fazendo, construir uma democracia social e participativa a partir do poder local.
No Brasil, menos de um ano após a promulgação da Constituição democrática e social de 1988, assistimos o início do desmonte da nova ordem econômica e social prevista pela Constituição. Nesse mesmo momento, como suporte teórico do desmonte do estado social, cresceu a crítica simplificadora e reducionista, importada dos Estados Unidos e de alguns autores europeus, proveniente do novo pensamento neoliberal e neo conservador e ratificada por parte nova esquerda (como o novo trabalhismo de Tony Blair). Esta crítica ao estado social que vem dar suporte ao seu desmonte, aponta o caráter assistencialista como gerador de um exército de clientes que se amparam no estado, não mais produzindo, não mais criando. Criticam o estado social argumentando que este retira espaços de escolha individual gerando não cidadãos, uma vez que incentiva as pessoas a viverem às custas do estado. Esta crítica extremamente simplificadora e parcial, que toma uma parte de um problema pontualmente localizado no tempo e no espaço como sendo regra para explicar a crise do estado social, ganhou força inclusive à esquerda, o que muito contribuiu para a desconstrução do estado de bem estar social em diversas partes do globo. Segundo este discurso simplificador o estado não deve sustentar os que não querem trabalhar pois esta postura do estado incentiva a expansão dos não cidadãos e sobrecarrega os que trabalham e o setor produtivo com uma alta carga tributária. Logo, pobre deve trabalhar para ter acesso ao que necessita e como não há trabalho para todos, (nem mesmo o trabalho indesejável e mal pago destinado a estes excluídos) aumenta a população carcerária. O Estado Social assistencialista é substituído pelo Estado Penal da era neoliberal. O criticado cliente do assistencialismo da segurança social foi transformado em cliente do sistema penal da segurança policial.
Neste novo paradigma a pobreza não decorre das barreiras sociais e econômicas mas sim do comportamento do pobre. O Estado não deve atrair as pessoas a uma conduta desejável através de reconhecimento mas deve punir os que não agem como o desejado. O não trabalho passa a ser um ato político que exige o recurso a autoridade. O estado social passa a ser visto como permissivo pois não exigia uma obrigação de comportamento a seus beneficiários. A direita conservadora mais reacionária e a autoproclamada vanguarda da nova esquerda dão eco a vozes como a de Charles Murray que afirma que as uniões ilegítimas e as famílias monoparentais seriam a causa da pobreza e do crime, e por sua vez, o estado social com sua política permissiva incentivava estas práticas. Além disto, a classe média produtiva se revoltava cada vez mais com a obrigação de pagar tributos para sustentar estas práticas. Esta absurda tese sem nenhuma base científica defendia cortes radicais nos orçamentos sociais e a retomada, por parte da polícia, dos bairros antes operários, hoje ocupados pelos clientes preferenciais do sistema social que tem de deixar de existir.
O resultado destas políticas (tanto da direita conservadora como da nova esquerda) é conhecido nosso no século XXI: mais exclusão, mais concentração econômica, mais violência, mais controle social, mais desemprego, menos estado de bem estar e mais estado policial. O mais grave é o fato de que, ainda hoje, vozes que se dizem democráticas continuam sustentando o mesmo discurso contra o estado social, defendendo uma sonhada e desejável democracia dialógica construída pela sociedade civil livre, sem perceber que os novos excluídos, social e economicamente, estão excluídos do diálogo democrático, passando a fazer parte da crescente massa de clientes do sistema penal em expansão.
Entretanto, nos últimos anos a situação começa a mudar. Importante notar que a sociedade civil, que hoje se organiza em nível local e global, e se comunica, organiza e age local e globalmente, em muitas manifestações resiste ao desmonte do Estado Social de direito e das conquistas dos direitos sociais buscando uma nova ordem onde não haja exclusão sócio-econômica.
Com menos vigor e contundência que os movimentos sociais, mas com importante papel no cenário de resgate de um paradigma social, o discurso e a prática de novos governos democráticos na América Latina demonstram uma retomada do papel do Estado na economia e na questão social, abandonando gradualmente o modelo neoliberal.
O caso brasileiro é um grande exemplo. Na última década o Brasil apresentou um desenvolvimento social expressivo, maior até que o desenvolvimento econômico. Os direitos sociais e econômicos passaram a ser objeto de políticas públicas que começaram a mudar a realidade de extrema desigualdade que colocava o país entre os mais injustos do planeta.
Esta mudança nas políticas públicas veio acompanhada de uma nova postura do Poder Judiciário e do Ministério Público que passaram atuar de forma efetiva na defesa e efetivação dos direitos sociais.
Parece que finalmente caminhamos para a retomada definitiva de um Estado Social e Democrático de Direito, fundado na efetividade de direitos sociais como saúde e educação públicas e gratuitas; moradia e segurança social assim como direitos econômicos como emprego com justa remuneração, acesso à terra e ao bem estar.
É importante lembrar que na segunda metade século XX a humanidade construiu uma nova compreensão dos Direitos Humanos. Superando a antiga e reducionista percepção liberal destes direitos, que consideravam apenas os direitos individuais de liberdade e propriedade como direitos fundamentais, as Nações Unidas passam a adotar a compreensão da indivisibilidade dos direitos humanos fundamentais. Isto significa que não é possível liberdade sem dignidade, ou em outras palavras, para que as pessoas possam efetivamente usufruir de suas liberdades individuais e políticas, e necessário que estejam livres da miséria, é necessário que tenham acesso a uma vida digna com alimentação; moradia; educação; saúde e segurança social.
Não há liberdade na miséria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário