segunda-feira, 30 de agosto de 2010

34- Entrevista - com José Luiz Quadros de Magalhães sobre o ECA

Vi que o senhor vai
falar sobre modernidade, violência e exclusão. Qual a relação desses
temas com a violência praticada pelos jovens? 

R: Na minha fala vou desenvolver a hipótese de que uma das principais causas da violência é a negação da diversidade. Vamos buscar compreender esta questão na modernidade e para isto precisaremos compreender os aspectos centrais do paradigma moderno. O Estado moderno é historicamente centralizador e uniformizador. Para afirmar seu poder este estado não poderia permitir a diversidade. Sua tarefa foi, portanto, uniformizar valores e comportamentos, o que foi feito de forma violenta. Vivemos ainda na modernidade e todas aquelas instituições que vieram com a formação do estado moderno ainda estão muito presentes: a moeda nacional; a criação de nacionalidades artificiais, o exercito nacional, a polícia nacional, o direito territorial e a uniformização do direito de família e de propriedade.
Esta lógica unifomizadora, normalizadora, é responsável por muita violência e exclusão. Mesmo com a constitucionalização, o aprendizado de respeito a diferença é algo efetivamente muito recente na modernidade .
A criação de todo um aparato moderno para negar a diferença e uniformizar e normalizar é responsável pela não aceitação do outro. O não reconhecimento do outro e especialmente o não reconhecimento no outro gerou as mais violentas experiências de extermínio. São vários os exemplos: o nazismo; o extermínio de povos originários pelos invasores europeus após 1492; Ruanda; Iugoslávia; etc...
O que isto tem a ver com a criança e o adolescente¿ As crianças e os adolescentes são educados dentro de um sistema uniformizador que muito cedo nega a estas pessoas a sua singularidade.
Não viveríamos em nossas metrópoles violentas e excludentes se nós nos reconhecêssemos nos outros. Se nos víssemos morando na rua, debaixo de pontes ou em aglomerados urbanos.
O não reconhecimento do outro gera formas radicais de exclusão. Isto me faz lembrar uma frase que li em um jornal de bairro a algum tempo atrás: “Menor agride adolescente”. A manchete do jornalzinho de bairro se referia a duas pessoas de 14 anos de idade. Entretanto um era menor e o outro adolescente. Porque? Quem era o menor e quem era o adolescente se os dois tinham quatorze anos? Ora, o menor é aquele que pode dormir na rua, apanha da polícia, é ilegalmente, até hoje, levado para delegacias, de outro lado o adolescente mora em um apartamento de classe media na Savassi, freqüenta o shoping, não pode apanhar da polícia nem ser levado para uma jaula em uma delegacia da região metropolitana.
Sobre isto quero abordar na minha fala. A era moderna tem sido a era do estranhamento do outro. Isto está na essência de nossa violência diária. Quero comentar como, todos nós, corremos o risco de, ao nomear as pessoas com um nome coletivo, condenar pessoas a exclusão radical, algo que nunca suportaríamos e nem toleraríamos para aqueles que são considerados pessoas nas quais nos reconhecemos. É como se existissem pessoas e não pessoas, ou então pessoas e semi-pessoas. Enquanto não formos capazes de enxergar pessoas, únicas (nomes próprios), atrás dos nomes coletivos (menores; adolescentes; bandidos; baderneiros ou qualquer outro nome próprio que já gerou extermínios) continuaremos a ignorar a violência diária a que muitos são submetidos. E pior, muitos ainda continuaram justificando violências contra aqueles que são, segundo estes, menos pessoas.
Está é a única explicação para, por exemplo, em nome de um direito de propriedade não mais existente, uma pessoa na condição de juiz decida que milhares de pessoas (entre elas mil crianças) na condição de excluídas sejam jogadas na rua. Certamente se todos enxergassem nestas pessoas pobres, pessoas como nós, isto seria absolutamente insustentável. Mas alguns vêem nestas pessoas alguns nomes coletivos como “baderneiros”, “invasores”, “miseráveis” e etc. Assim fizeram os “nazistas” para exterminar os “judeus”, os “eslavos”, os “ciganos”...

Qual a avaliação do
senhor sobre a modernidade? ela ajuda ou atrapalha a educação do jovens e também a punição?

O problema, portanto, a partir do que disse acima, é que o padrão moderno que ainda se sustenta, é a não aceitação da diversidade, da diferença. A escola, ainda, uniformiza. É claro que não estou generalizando nem ignorando toda uma experiência que já rompeu com a uniformização. Quando a escola uniformiza (e isto está simbolicamente dito no uniforme que o aluno veste) ela autoriza a exclusão do diferente. Uma violência comum entre os jovens é a negação do diferente por qualquer motivo: o gordo, o magro, o muito alto ou baixo, qualquer diferença que fuja ao padrão imposto é duramente penalizado. Precisamos de uma escola que seja diferente. Que ao contrario de penalizar o diferente reconheça a importância de ser diverso, plural, diferente.
Não é só a escola que nega a diferença, isto é feito por todo o aparato do estado moderno, que aos poucos começa a romper com isto.

O senhor acredita que a aplicação
do ECA ajuda contribui para a educaçao dos jovens?

R: É claro que sim. E muito.

Os jovens muitas vezes
são vítimas?

R: São as principais vitimas pois estão em processo de formação. Estamos produzindo problemas ao não permitir ao jovem de ser ele mesmo. Não estou dizendo que não se deva colocar limites. É claro que devem existir limites. O que quero ressaltar, é que o limite principal que deve ser posto é o de respeito a singularidade de cada um. Este limite deve ser colocado ao próprio estado, aos professores, aos pais, e é claro, aos jovens.

O senhor acha que o ECA é um instrumento eficaz de
proteção e punição aos adolescentes?
Aparece de novo a palavra punição. Vamos punir menos e dialogar mais.
Chega de punição. A punição só gera violência. Abaixo a punição. O direito penal nunca resolveu problema nenhum em nenhum lugar do mundo. O que resolve é respeito, dignidade, comida, educação, saúde, lazer e moradia.

Muitas pessoas falam
que o ECA mais protege do que pune, outros falam o contrário. Qual o pensamento do senhor?

O problema não é do ECA mas da cabeça de quem o lê e aplica. Todo direito implica sempre, necessariamente, em um dever. É uma grande bobagem aquela fala de que existem mais direitos que deveres.
Temos que punir menos. Punir o menos possível. Temos que proteger sim, respeitando a diferença e reconhecendo que enquanto vivermos nesta sociedade individualista, competitiva e brutalmente desigual vamos ter que conviver com a violência e não haverá direito penal que resolva a questão.

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