quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Teoria do Estado 17

5 O ESTADO FEDERAL
José Luiz Quadros de Magalhães

O conflito surgido entre o Estado de Minas Gerais e o Governo Federal em 1999/2000 criou a oportunidade para importante discussão para a democracia brasileira: o pacto federal, o regime de distribuição de competências e a necessidade de fazer avançar o nosso modelo federal centrífugo. O nosso federalismo encontrou-se fortemente comprometido, assim como nossa democracia, por um governo federal altamente centralizador e autoritário, portanto, inconstitucional no período de 1994 a 2002.
Existem várias formas de Estados federais no mundo contemporâneo. Podemos perceber com clareza o movimento em direção a uma acentuada descentralização, que os Estados democráticos do mundo vêm procurando, sentido inverso do trilhado pelo nosso neopresidencialismo autoritário vivido nos anos 90 e neste início de século XXI.
O federalismo clássico baseia-se no modelo norte-americano, formado por duas esferas de poder, a União e os Estados (federalismo de dois níveis), e de progressão histórica centrípeta, o que significa que surgiu historicamente de uma efetiva união de Estados anteriormente soberanos, que abdicaram de sua soberania para formar novas entidades territoriais de direito público, o Estado federal (pessoa jurídica de direito público internacional) e a União (pessoa jurídica de direito público interno), uma das esferas de poder, ao lado dos Estados membros, diante dos quais não se coloca em posição hierárquica superior.
Importante ressaltar, neste ponto, alguns aspectos importantes:

• O federalismo clássico de dois níveis diferencia-se de outros Estados descentralizados, como o Estado autonômico, regional ou unitário descentralizado, pelo fato de ser o único cujos entes territoriais autônomos detêm competência legislativa constitucional, ou, em outras palavras, um poder constituinte decorrente. Assim:

– No estado unitário descentralizado, as regiões autônomas recebem por lei nacional competências administrativas, caracterizando a descentralização pela existência de uma personalidade jurídica própria e eleição dos órgãos dirigentes. Esta descentralização de competências administrativas pode ocorrer em âmbito municipal, departamental ou regional, em um nível ou em vários níveis simultaneamente. Exemplo: a França.
– No Estado regional, as regiões autônomas recebem competências administrativas e legislativas ordinárias, elaborando o seu estatuto, mas sempre com o controle direto do Estado nacional (é modelo italiano, onde, embora a Constituição da Itália de 1947 mencione este Estado como unitário, as transformações por que vem passando fazem com que a doutrina classifique-o hoje como modelo de Estado altamente descentralizado: um Estado regional).
– No Estado autonômico espanhol, outro modelo altamente descentralizado, ocorre uma descentralização administrativa e legislativa ordinária, diferenciando-se esse modelo de Estado do regional pela forma ímpar de constituição das autonomias, em que a Constituição espanhola de 1978 permitiu que a iniciativa partisse das províncias para constituírem regiões autonômicas e que estas elaborassem seus estatutos, que, para terem validade, devem ser aprovados pelo parlamento nacional, transformando-se em lei especial .
– Já no Estado federal, os entes descentralizados detêm, além de competências administrativas e legislativas ordinárias, também competências legislativas constitucionais, o que significa que os Estados membros elaboram suas Constituições e as promulgam, sem que seja possível ou necessária a intervenção do parlamento nacional para aprovar esta Constituição estadual (como é necessário em relação aos estatutos das regiões autônomas no Estado regional e no Estado autonômico), que sofrerá apenas um controle de constitucionalidade a posteriori. Não há, portanto, hierarquia entre Estados membros e União.
– Não estamos considerando, como característica diferenciadora entre esses tipos de Estados, a descentralização de competências judiciais.
– O grau de descentralização ou o número de competências legislativas e administrativas transferidas aos entes descentralizados também não é hoje mais elemento diferenciador, pois há Estados federais centrífugos onde o número de competências legislativas e administrativas dos Estados membros é inferior ao de regiões autônomas. O nosso federalismo é um dos modelos mais centralizados, bastando, para confirmar esta afirmativa, ler a distribuição de competências legislativas e administrativas nos arts. 21 a 24 da Constituição Federal de 1988.

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