segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Teoria do Estado 32

3 DEMOCRACIA REPRESENTATIVA
José Luiz Quadros de Magalhães

No conceito tradicional de representação construído por Sieyès, o povo atua por intermédio da vontade dos seus representantes. O povo confere um mandato para que os representantes exprimam a vontade em seu lugar. Portanto, não é a vontade do povo, mas de seus representantes.11 Hoje, com a necessária inserção da idéia de participação (democracia participativa) como elemento essencial para que a democracia representativa seja efetivamente democrática, não podemos aceitar a idéia de que os representantes atuem em seu próprio nome, ignorando a vontade expressa do povo. Efetivamente, os poderes do Estado devem ser uma caixa de ressonância das vontades populares manifestadas pela sociedade civil, organizada ou não.
Efetivamente falar em vontade do povo parece na maioria dos casos uma ficção. Nas sociedades cada vez mais complexas, não há uma vontade popular, mas várias, que representam interesses de setores, de grupos, de forças diversas presentes na sociedade contemporâneas. Não há, nunca houve e é impossível que haja uma única vontade permanente do povo. Diante de uma sociedade cada vez mais complexa, podemos dizer que a democracia representativa irá cumprir um papel importante no processo democrático, que é o de, principalmente, dar transparência, visibilidade, aos grandes debates, aos grandes temas nacionais e globais, permitindo que a sociedade organizada atue de forma democrática no diálogo nacional nos meios de comunicação social, nas ruas, nos sindicatos, enfim, podemos dizer que o elemento mais democrático desse processo é o povo nas ruas. A pressão e o dialogo na sociedade civil é elemento determinante para a existência de uma democracia, e não o voto.
Mas, falando de voto, este também é importante, e um importante debate para a compreensão da democracia e suas possibilidades de evolução para mecanismos de maior participação, é dos sistemas eleitorais que permitam a construção, pelo povo, do seu próprio destino.
Podemos classificar os sistemas eleitorais em três grandes modelos, que terão variações e subtipos, se confrontarmos o seu funcionamento nas mais variadas regiões do planeta.12
A legislação eleitoral no Brasil, por exemplo, embora consagre modelos ou, mais precisamente, sistemas eleitorais que também são aplicados em outros países, tem variações que são típicas de nossa história e que correspondem, muitas vezes, a situações específicas do jogo do poder, retratando, assim, correlações de força de poderes políticos e econômicos, nacionais e internacionais.
É importante esse referencial que, mais do que qualquer outro ramo do Direito se faz sentir no direito eleitoral. Não pode, pois, o leitor ter a errada sensação de que pode conhecer o funcionamento de um sistema eleitoral apenas pela leitura de suas linhas gerais de funcionamento.
Para o seu conhecimento, é necessário o estudo criterioso de toda legislação eleitoral em vigor, em determinado momento, confrontando-a com a realidade histórica vivida naquele momento e os seus precedentes.
Feitas tais observações, vamos abordar, rapidamente, os sistemas eleitorais de forma genérica, procurando chegar a conclusões sobre qual sistema se adequaria a uma realidade de um Estado Democrático, com poder altamente descentralizado e organização municipal colegiada, dentro de um sistema diretorial participativo.

3.1 O sistema majoritário

O sistema majoritário é previsto na Constituição brasileira para a eleição dos chefes do Executivo municipal, do Executivo estadual e da União, tendo sido adotada no Brasil, após 1988, a eleição em dois turnos para esses cargos, sendo que, no município, será de um turno apenas quando este ente federado tiver população inferior a 200 mil eleitores.
O sistema majoritário também é utilizado para as eleições de senadores, que, de acordo com a nossa Constituição, têm mandato de oito anos, havendo eleições de quatro em quatro anos, onde se renova sucessivamente dois terços e um terço do Senado.
Sistema extremamente simples, é adotado no Brasil de duas formas: eleições majoritárias em um turno para prefeitos de cidades com menos de 200 mil eleitores e para o cargo de Senador; e eleição majoritária em dois turnos para prefeitos em cidades com mais de 200 mil eleitores, governadores e Presidente da República.
Evolução importante do sistema no Brasil deu-se com a adoção de dois turnos, o que permite o voto na programa, afastando, mas não eliminando, o chamado voto útil, onde os eleitores são desviados de sua real vontade política de votar em determinado projeto para escolher outro menos ruim, mas com chances reais de vitória segundo as pesquisas eleitorais.
Esse fenômeno é interessante no Brasil, onde o eleitor, na maioria das vezes, desinformado ou mal informado, transforma as eleições em apostas semelhantes àquelas realizadas nas corridas de cavalo, onde se escolhe aquele candidato com maior chance de vitória, e não aquele que corresponde a um programa de um partido no qual o eleitor efetivamente acredite.
A realização de dois turnos pode ter atenuado este problema, mas a “síndrome de vitória” ainda contagia os eleitores, que, sem condições de diferenciar o discurso, quase sempre igual, daqueles que efetivamente representam seus interesses, continuam fazendo suas apostas.
O sistema proporcional brasileiro em dois turnos assegura aos dois candidatos mais votados, no primeiro turno de votação, uma segunda rodada de votação popular, com período de campanha e debates, desde que nenhum deles tenha conseguido mais do que 50 por cento dos votos válidos. Esse sistema pode evitar, já no primeiro turno, que o eleitor afaste-se de sua verdadeira opção, deixando para o segundo turno, caso a sua proposta não esteja entre as duas mais votadas, a escolha daquela que mais se assemelhe às suas convicções políticas, sociais e econômicas.
No caso das eleições majoritárias para o Senado, o mais votado no caso de renovação de um terço da casa, ou os dois mais votados na renovação de dois terços, são os escolhidos para ocupar as cadeiras em disputa, podendo existir eleitos com uma votação muito inferior a 50 por cento.
Note-se que, mesmo na eleição majoritária em dois turnos, o candidato eleito pode assumir a chefia do Executivo municipal, do Executivo estadual e da União, muitas vezes com 30 ou 40 por cento do eleitorado, uma vez que não se considera, para a contagem dos votos e estabelecimento dos percentuais, os votos brancos e nulos.
Fazendo a opção por sistemas políticos diferentes do presidencial, como o diretorial nos municípios e o diretorial ou parlamentar nas outras esferas de poder da Federação, o sistema majoritário perde muito em importância para a escolha dos Executivos, sendo mantido no caso de escolha de senadores, debate que enfrentamos quando da discussão do parlamento, se unicameral ou bicameral.

3.2 O sistema proporcional

O sistema proporcional, segundo a Constituição de 1988, é utilizado para a composição do Legislativo, com a exceção de uma casa: o Senado. Desta forma, as eleições para as Câmaras Municipais, as Assembléias Legislativas dos Estados e a Câmara de Deputados Federal seguem esse sistema.
O sistema proporcional pode vir a possibilitar o fortalecimento dos partidos políticos, uma vez que o critério para preenchimento das vagas no Legislativo será o da proporcionalidade dos votos obtidos pelo partido, quando, então, o número de cadeiras obtidas por um partido político será preenchido pelos candidatos mais votados desse partido.
O sistema procura valorizar o voto na legenda, levando o eleito a escolher uma proposta político-partidária, e não apenas o nome do candidato. No Brasil, alguns partidos políticos que têm eleitores com esse perfil vêm recebendo cada vez mais votos apenas na legenda ou na sigla do partido, não escolhendo o eleitor, muitas vezes, nenhum dos nomes dos candidatos. Teoricamente, o sistema vincula o nome e a sigla e deveria levar o eleitor a observar tanto a proposta e o programa partidário como a pessoa do partido que ele acredita ser capaz de realizar; com competência, esse programa e sua representação política.13
Entretanto, o sistema proporcional, uma vez não acompanhado de uma legislação eleitoral adequada, que permite a estruturação de partidos políticos sólidos, evitando o surgimento de legendas de aluguel e candidatos independentes, pode sofrer distorções graves.
Juntando-se a uma legislação eleitoral muitas vezes casuísta e uma cultura política personalista e autoritária, por vezes caudilhesca, o sistema proporcional, no Brasil, tem possibilitado situações em que um candidato, não pelo programa de seu partido, mas por política construída em torno de seu nome, consegue eleger-se e, com ele, vários outros legisladores.14
A conseqüência desse fato pode ser, muitas vezes, a de conferir a um partido político sem estrutura e sem expressão, apoiado em apenas um nome, representação no Legislativo, que não corresponde ao equilíbrio desejado e que não se legitima por essa distorção. Desse fato decorrem situações que, com freqüência, repetem-se em nossas eleições e cuja solução está na limitação da criação de novas legendas e restruturação das existentes, com o incentivo à fusão de algumas, evitando a continuidade de partidos que servem a um líder; quando o ideal é a existência de partidos nas quais os seus filiados servem a um programa.
Desta forma assistimos candidatos, com grande votação individual, não eleitos, perdendo sua vaga para candidatos com votações inexpressivas, eleitos com a votação de seu colega de partido, com uma grande votação. O ideal, no sistema proporcional, é a existência de partidos políticos realmente representativos de programas, com respaldo na sociedade, que serão eleitos livremente pelo povo, juntamente com aquele representante do partido que o eleitor entenda possa atuar em seu nome com competência e seriedade para a realização dos objetivos propostos na campanha.
O preenchimento das vagas, nas Casas legislativas, ocorre pelo processo simples: primeiro apura-se o quociente eleitoral e, posteriormente, o quociente partidário, para se chegar a um primeiro resultado do número de cadeiras a que cada partido terá direito na respectiva Casa legislativa.15
O quociente eleitoral é encontrado, dividindo-se o número de votos válidos pelo número de cadeiras colocadas em disputa para serem preenchidas. Suponhamos que, num universo de 1 milhão de eleitores, tenhamos 100 cadeiras em jogo. O quociente eleitoral ou o número de votos necessários para que o partido político obtenha uma cadeira será o resultado da divisão de 1 milhão por 100, que será igual a 10 mil. Portanto, a cada 10 mil votos, o partido obterá uma cadeira.
O quociente partidário será encontrado pela divisão do número de votos que o partido obteve, suponhamos 20 mil, pelo quociente eleitoral, que é 10 mil. Temos, então, que este partido obteve duas cadeiras no parlamento, que serão preenchidas pelos seus dois candidatos mais votados.
Os exemplos são dados em números redondos, para tornar mais fácil a compreensão dos cálculos. Ocorre que, na realidade, esses números apresentam sobras, que serão então computadas quando do preenchimento das cadeiras restantes, pois cada partido poderá apresentar números de votos que não cheguem aos 10 mil necessários, mas que, somados aos votos dos outros partidos, representam muitas vezes duas, três ou mais cadeiras que não foram preenchidas. Suponhamos que o partido A tenha tido 107 mil votos. Obteve 10 cadeiras e sobraram 7 mil votos; o partido B obteve 409 mil votos, obtendo 40 cadeiras e com sobra de 4 mil votos; o partido C, 339 mil votos, obtendo 33 cadeiras e com sobra de 9 mil votos; e o partido D, 145 mil, obtendo 14 cadeiras e com 5 mil votos de sobra.
A soma das sobras apontam 30 mil votos, que representam, ainda, 3 cadeiras em jogo, para quatro partidos políticos. Entre os sistemas de apuração de restos, no Brasil, adotou-se o sistema de maior média, que implica, segundo o Código Eleitoral, no seu artigo 109, na repetição de operações matemáticas simples, que consistem no seguinte: ao número de cadeiras, obtidas por quatro partidos políticos, adiciona-se mais uma, dividindo-se o número de votos válidos de cada partido político pelo número de cadeiras conseguidas mais um. O partido que obtiver a maior média conseguirá a primeira das três cadeiras restantes. Em seguida, repete-se a operação, até o preenchimento das sobras, no caso do nosso exemplo, três cadeiras no Legislativo.
A compreensão do funcionamento do sistema é importante para visualizar, com maior clareza, quais os objetivos do sistema proporcional. Entretanto, a importante valorização dos partidos políticos fortes e com programas definidos, que, no nosso entender, deveria neste sistema, vir acompanhada da fidelidade partidária, depende de outras medidas para que alcance seus objetivos.
Importante ainda dizer que o sistema proporcional, no Brasil, tem comportado variações, como as coligações partidárias que podem evitar muitas das distorções que foram aqui relatadas, mantendo ainda vivos os pequenos partidos, que não podem ser confundidos com partidos de aluguel, que surgem sem nenhuma legitimidade, muitas vezes para proporcionar apenas a projeção pessoal de aventureiros políticos que, infelizmente, no Brasil, muitas vezes conseguem sucesso.16

3.3 O sistema distrital

O sistema distrital tem sido objeto de estudos detalhados após a Constituição de 1988, na qual não foi dada a devida importância a tal sistema, que tem sido aplicado com sucesso em outros países, tanto na sua forma pura como na forma mista, como é o caso do alemão, onde se combina o sistema distrital com o sistema proporcional, modelo já sugerido para ser implementado no Brasil.
Procurando estabelecer bases locais de poder como força democrática de transformação, o sistema distrital é de extrema relevância. Necessário lembrar, entretanto, que esse sistema pode privilegiar os grandes partidos políticos e, principalmente, os partidos organizados em todo o território nacional, pois, ao se vincular com o candidato a determinado distrito, de dimensões bem menores que um Estado, como eles estão organizados agora, teremos como conseqüência o enfraquecimento dos partidos políticos que só tenham força nos grandes centros urbanos, fortalecendo ainda mais os que têm penetração no interior.
Esse fato deve ser considerado quando de qualquer discussão sobre a implantação do sistema distrital no Brasil, principalmente na sua forma pura.
Como conseqüência histórica de vários períodos de ditadura de direita e perseguições implacáveis aos militantes de esquerda no Brasil, só recentemente os partidos de esquerda conseguiram crescimento significativo e constante, principalmente da década de 80. Entretanto, esse crescimento tem-se dado em regiões em geral mais industrializadas e em populações com maior acesso à informação e à educação. A implantação do voto distrital, na sua forma pura, poderia significar um não desejado retrocesso no movimento democrático, que necessita de real oposição que signifique uma alternativa ao modelo majoritário. O revezamento de propostas e idéias é um fundamento importante da democracia, pois é o fator que permite a evolução através da discussão de modelos diferentes, chegando sempre a resultantes inovadores, em um processo de constante renovação.
Estamos diante de um dilema de difícil solução. Ao valorizarmos o poder local, fortalecemos a tese do voto distrital. Entretanto, a sua adoção pode significar enfraquecimento da democracia, pois implicaria o retorno de maiorias conservadoras, superiores às já existentes, nos Legislativos da União e dos Estados, visto os motivos históricos já mencionados, que fazem com que nosso processo democrático, que implica a aceitação da troca de poder com naturalidade, tenha lenta evolução, com infelizes retrocessos com certa constância.
Talvez a solução seja o sistema distrital misto, organizado nas esferas da federação, de acordo com a realidade de cada ente. Não pretendemos, entretanto, neste trabalho, apresentar fórmulas infalíveis para a solução dos nossos problemas e modelos prontos de organização do Estado. Tais formas só podem ser encontradas na discussão diária e no enfretamento dos problemas que, de forma quotidiana, surgem para administração e administrados. O objetivo do cientista social, hoje, não pode ser outro que apontar alternativas e oferecê-las, de maneira simples, para o debate popular. Qualquer outra pretensão tende a cair nas velhas fórmulas mágicas, que, infelizmente, não tiveram ao resultados desejados, pois o ser humano foi esquecido. Por esse motivo, este trabalho de pretende, principalmente, oferecer, para discussão, um modelo de organização que possibilite a criação dos canais necessários de comunicação, transformando o Estado não em um impositor de modelos e soluções prontas e acabadas, que partem de um pequeno grupo iluminado no poder, mas sim um Estado que esteja sensível às soluções e à vontade, que parte das comunidades locais e de cada indivíduo, expressando, de forma livre, suas opiniões, estando o Estado obrigado a seguir e dar suporte aos novos caminhos, desde que apontados com liberdade pela população e respeitados os princípios universais de direitos humanos, garantidos pela Constituição.
Isso posto, devemos explicar o funcionamento do sistema distrital. Jean-François Aubert examina o tema com extrema objetividade e clareza quando, estudando o sistema eleitoral suíço, trata da cir¬cunscrição.17 Lembra o autor que raramente se encontrarão exemplos de eleições para o parlamento como única circunscrição nacional, podendo-se citar como exceção as eleições para o Knesseth is¬raelense e alguns cantões suíços.
A circunscrição única significa a existência de um único colégio distrital, de onde saem todos os representantes eleitos. Normalmente, ocorre a divisão do território do Estado em várias circunscrições, com dimensão territorial diferente. No caso brasileiro, para exemplificar, tomando mais clara a questão, temos um colégio eleitoral para cada estado membro. Isso significa que, para eleição de deputados federais, o eleitor só poderá votar nos deputados federais candidatos no seu Estado, não podendo votar em candidato a deputado federal de outro Estado. Se tivéssemos um sistema de circunscrição única nacional, poderíamos, em Minas Gerais, votar em candidato, por exemplo, de São Paulo.
A circunscrição única pode trazer dominação insuportável, com a concentração de poder em determinados grupos, e, ainda, maior distanciamento entre os representantes e representados.
Note-se, entretanto, que a existência de circunscrições correspondente aos Estados não caracteriza o voto distrital, mas é muito mais uma conseqüência do federalismo, uma vez que o território do Estado é ainda muito grande, podendo-se admitir ainda a sua subdivisão em mais circunscrições, mantendo-se o sistema proporcional existente, que só desaparecia, cedendo espaço para o majoritário, se criássemos o número de circunscrições correspondentes ao número de vagas para o parlamento. Como exemplo, se a população do Estão de São Paulo pode eleger 70 deputados, e o Estado estivesse dividido em 70 distritos eleitorais ou circunscrições, a eleição só poderia ser majoritária, elegendo-se um deputado por distrito. De outra forma, dividindo-se o Estado de São Paulo em dez circunscrições ou distritos eleitorais, poder-se-ia eleger sete deputados por distrito, mantendo-se o critério proporcional.
Lembramos, ainda, dois fatos importantes sobre o sistema brasileiro. Nos Estados membros, adota-se a circunscrição única, na qual todos os eleitores do Estados votam em todos os candidatos a deputados estaduais no Estado. Isso afasta os representantes, além de deixar determinadas regiões do Estado sem representações, sujeitas a política eleitoreiras, em véspera de eleições. É obvio que os Estados membros necessitam, pelo menos, de uma divisão em distritos ou circunscrições, aproximando as representações, mesmo que seja para manter o sistema proporcional, ou, em outras palavras, mesmo que o número de distritos ou circunscrições criadas não seja correspondente ao número de deputados na Assembléia Legislativa dos Estados membros.
O outro fato importante consiste em lembrarmos a imperfeição do modelo adotado de representação dos Estados na Câmara dos Deputados, onde se estabeleceu, como número mínimo de representantes por Estado, 8 deputados, e número máximo de 70 deputados. Esse dispositivo constitucional não permite o cumprimento do princípio constitucional de igualdade jurídica, que se estende aos direitos políticos, em sentido restrito, para significar um eleitor um voto. Ao se estabelecer circunscrição por estado, estabelece-se número mínimo e máximo, sem nenhum critério matemático de proporcionalidade ou de peso de voto. O voto de eleitor de Estados populoso como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Baía, vale muito menos do que o voto dos eleitores de Rondônia, Roraima, Amapá, Acre, Sergipe.
A solução pode estar em reduzir o mínimo e não estabelecer o máximo de representantes por Estado, ou então em criar novas circunscrições nos Estados mais populosos, mantendo o voto proporcional, ou ainda em criar quantos distritos forem os números de deputados, passando-se para o voto majoritário em cada distrito. Este último caso, embora possa estabelecer maior proximidade entre eleitor e representante, criando, ainda, equilíbrio na Câmara Federal, pode prejudicar profundamente, os novos partidos políticos. Diante de nossa história, sem tradição democrática, isto pode significar grande perda para a democracia, visto que justamente estes são os partidos que podem trazer uma renovação positiva para o País, substituindo a antiga política clientelista, que está presente em partidos e candidatos que, constantemente, mudam o nome e se apresentam como liberais, nos moldes do coronelismo do século passado.
Talvez, uma solução que se apresente seja a adoção de dois critérios para o preenchimento das vagas dos representantes do povo, tanto em nível federal como em nível estadual, que seria a adoção de um sistema distrital misto, onde parte da vagas seria preenchida pelo sistema distrital, um candidato por distrito, e outra parte das vagas seria preenchida pelo sistema proporcional, com algumas correções de proporcionalidade de representação por Estados.
Nem sempre o sistema que se apresenta como teoricamente mais democrático é, na sua prática, bom mecanismo democrático, pois a sua inserção em realidades culturais, socioeconômicas, políticas e históricas diferentes pode desvirtuar totalmente seus objetivos. Esse é o perigo da introdução, simplesmente, do sistema diretorial, um candidato por distrito pelo voto majoritário, mesmo sendo este em dois turnos.18
Entretanto, como ficou demonstrado, são várias as alternativas que podem ser criadas a partir dos sistemas expostos e que se confundem.
Alterando o sistema existente, onde há eleição majoritária para o Senado, sendo três representantes por Estado, e proporcional para a Câmara dos Deputados, sendo que cada Estado corresponde a uma circunscrição, podemos chegar a um equilíbrio dividindo o território brasileiro em mais circunscrições, mantendo, entretanto, o sistema proporcional nas circunscrições e estabelecendo, com isto, uma autêntica representação da população. Note-se que esta alteração é constitucional, não ofende a Federação, pois os deputados são representantes do povo e não dos Estados federados. A vinculação aos Estados federados está no Senado e, por este motivo, é igual para cada Estado.19
Podemos citar como exemplos de sistemas distritais distintos o britânico, o alemão e o norte-americano. Na Grã-Bretanha, originou-se o parlamentarismo e também o sistema distrital, sendo que, durante a sua história, firmou-se o sistema distrital majoritário, ou seja, o território do país é dividido em quantos distritos forem necessários para preencher as vagas no parlamento, sendo o voto uninominal.
A Alemanha adota sistema de representação proporcional personalizada, na qual metade dos representantes são eleitos pelo sistema majoritário uninominal e metade pela votação proporcional estadual, dentro do sistema distrital.
Nos Estados Unidos, o Senado Federal representa os Estados da Federação, sendo que cada Estado elege dois candidatos. A Câmara dos Representantes tem 435 membros, sendo eleita pelo sistema majoritário uninominal, com um mandato de duração de dois anos.20
Esses são alguns exemplos das inúmeras variantes que os sistemas eleitorais combinados podem ter, não devendo o Brasil combinar nenhum, mas criar o seu próprio sistema eleitoral, que se adapte à realidade socioeconômica atual, um sistema que permita a renovação e o aprofundamento da democracia, rompendo com a longa e triste tradição clientelista que transforma o espaço político em mercado.

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