quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Teoria do Estado 9

3 Cláusula de barreira e fidelidade partidária
Jose Luiz Quadros de Magalhaes

As democracias parlamentares européias são construídas sobre uma sólida base partidária. Podemos localizar três grandes modelos parlamentares no que diz respeito aos partidos políticos: parlamentarismo pluripartidário com partidos políticos fortes e ideológicos com governos de coalisão; parlamentarismo bipartidário (o modelo inglês); e o parlamentarismo multipartidário com diversos partidos políticos (modelo que traz grande instabilidade e graves distorções, uma vez que micropartidos podem ser determinantes na manutenção do governo).
A reforma política em discussão no Congresso contém mecanismos que sugerem a introdução do sistema parlamentar no Brasil. Importante lembrar que o parlamentarismo pode ser um sistema extremamente democrático se todos os seus pressupostos de implementação estiverem presentes, ou seja: partidos políticos fortes e ideológicos (um leque de partidos de esquerda e de direita que gire em torno de sete partidos, com equilíbrio entre estes partidos), fidelidade partidária, cultura política e sistema eleitoral que permita que os eleitores votem na proposta de governo e não em pessoas.
A inexistência dos pressupostos do parlamentarismo pode transformar esse mecanismo de exercício de poder em um sistema autoritário de permanência no poder e inexistência de rotatividade de propostas políticas.
Mesmo que não adotemos um sistema parlamentar, a existência de partidos políticos fortes, com fidelidade partidária e programa definido de maneira democrática no âmbito interno do partido, é fundamental para uma democracia representativa. Tudo isso nos leva a acreditar que a cláusula de barreira seja importante para a nossa democracia, entretanto devemos visualizar a nossa realidade político-partidaria atual: a aplicação da cláusula de barreira no atual Congresso Nacional resultaria em sete partidos, o que sugere que seria esse o número ideal. Entretanto, a ausência de uma história democrática no Brasil (trinta anos de relativa democracia representativa – de 1946 a 1964 e de 1988 a 2001) não permitiu criar uma cultura de oposição, o que, somando-se as constantes perseguições pelas elites econômicas dos projetos de esquerda, fez com que os partidos de oposição (de esquerda) no Brasil não tivessem tido a oportunidade de se fortalecer. A mídia concentrada na mão de oito famílias ainda consegue retardar a chegada ao poder de um projeto político popular e nacional. Desta forma, o nosso Congresso Nacional ainda é majoritariamente de direita, com boa parte dos seus membros comprometidos com grupos de pressão econômicos, e não com projetos políticos nacionais. Assim, a aplicação da clásula de barreira neste atual Congresso resultaria na redução dos partidos de oposição e, portanto, na força de um projeto político alternativo e nacional, que seria reduzida apenas ao Partido dos Trabalhadores.
Somando-se a cláusula de barreira, o voto distrital e o financiamento privado de campanha, teremos o fim da democracia, substituída por um modelo sofisticado e plebiscitário de autoritarismo: o neo-autoritarismo, no qual o povo é meramente o legitimador da vontade do grupo no poder, sustentado pelo poder econômico privado, através de um voto incapaz de ser fator determinante de mudanças, pois inexistirão alternativas, assim como ocorre hoje, por exemplo, com a democracia norte-americana nos âmbitos federal e estadual.

4 Um novo Supremo Tribunal Federal

Outro grave problema estrutural detectado pelo encontro do modelo constitucional com a realidade político-histórica brasileira é o Supremo Tribunal Federal. Um equívoco que pertence ao passado é a crença de que um modelo ou um sistema político-democrático adotado constitucionalmente em um país por um movimento histórico específico pode servir de modelo para outro país com cultura, história e realidade socioeconômica e política diferentes.
Esse erro foi cometido no passado e contínua sendo hoje e pode basear-se em um equívoco teórico, também pertencente ao passado, de que podemos estudar um sistema de governo, um sistema eleitoral ou um regime político pela simples compreensão técnica dos seus mecanismos. O fato de um mecanismo constitucional funcionar bem, ou servir a democracia em um Estado, não quer dizer que este mesmo sistema poder funcionar bem ou servir aos mesmos objetivos em outro Estado. O fator determinante na democracia é o respeito à identidade cultural e à realidade socioeconômica de um povo.
Se alguém pode afirmar que a Suprema Corte Americana é um órgão autônomo de cumpre seus objetivos constitucionais de maneira adequada, embora seus membros sejam escolhidos pelo Presidente e aprovados pelo Senado, no Brasil esse método de escolha, que pode para alguns representar um mecanismo de “freios e contrapesos” e, portanto, de equilíbrio entre os poderes, definitivamente não funciona.
No Brasil, por sua história e cultura de matriz centralizadora e autoritária, o Poder Executivo é sempre preponderante. Não há equilíbrio. O Legislativo representa, majoritaria (embora com mudanças sensíveis através do crescimento contínuo desde a década de 80 dos partidos de esquerda) e historicamente, a elite econômica (no passado nacional, hoje global) e tem historicamente se sujeitado à vontade do Executivo, como ocorre atualmente com a aceitação das medidas provisórias, que podemos dizer, são todas, pelo menos formalmente, inconstitucionais e em boa parte dos casos materialmente inconstitucionais.
Logo a escolha dos Ministros do Supremo pelo Presidente da República com a aprovação do nome pelo Senado, na verdade, só faz reforçar o poder autoritário do chefe do Executivo, dando um golpe em um poder que, com todos os defeitos já conhecidos, pode ser, ao lado do Ministério Público, a grande resistência ao neo-autoritarismo atualmente imperante no Brasil.
O que ocorre na prática é que, com a escolha pelo Presidente da República, dos membros do Supremo, temos que o órgão de cúpula do Judiciário torna-se inevitavelmente comprometido com as teses do Executivo. Se somarmos a esse fato a equivocada tendência atual da adoção de um controle concentrado de constitucionalidade das leis com a adoção de mecanismos processuais vinculantes, introdutórios à súmula vinculante defendida por alguns como mecanismo de celeridade do Judiciário, os onze Ministros do Supremo diriam para todo o Judiciário de maneira obrigatória qual a leitura ou interpretação correta a ser seguida por todos os órgãos do Judiciário. O controle concentrado que lentamente vai se introduzindo no Brasil, através, principalmente, de medidas provisórias inconstitucionais, é um gravíssimo retrocesso autoritário. Estamos abandonando o avançado e democrático controle difuso de constitucionalidade, que o mundo inteiro aos poucos vai descobrindo, para adotarmos o controle concentrado, que lentamente a Europa vai abandonando.
O atual método de escolha do Supremo somado à súmula vinculante transforma-se em um eficaz mecanismo neo-autoritário, uma vez que aparenta ser legitimo e democrático.
Qualquer outro método de escolha dos membros do órgão de cúpula do Judiciário e responsável, no nosso caso, pela guarda da Constituição é melhor do que o atualmente adotado no Brasil. Existem várias propostas e exemplos. Poderiamos adotar uma Corte Constitucional, mantendo o controle difuso de constitucionalidade por todos os órgãos do Judiciário, em que os seus membros sejam escolhidos pelo Judiciário; pelo Legislativo; 1/3 por cada um dos Poderes; pelo Ministério Público, OAB e pelo Judiciário; enfim, qualquer método democrático que não passe pelo Executivo, Poder tendencialmente autoritário, principalmente no sistema presidencial.

Nenhum comentário:

Postar um comentário