quarta-feira, 15 de setembro de 2010

54- Teoria da Constituição 3

2 COMO DEMOCRATIZAR A DEMOCRACIA: DEMOCRACIA
E TERRITÓRIO, ESPAÇO E TEMPO NA CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA

Jose Luiz Quadros de Magalhaes

Muitas outras questões podemos formular sobre o conflito em torno da palavra democracia. Muitos foram os sentidos do seu conceito, mas a democracia que acreditamos, neste momento, de transformação da sociedade é a democracia que se constrói do dialogo livre, no livre pensar no seio de uma sociedade em que a construção de espaços de comunicação sejam possíveis, o que depende da construção da cidadania como idéia de dignidade, libertação da miséria e respeito humano. Não há efetiva liberdade sem meios para exercê-la, e esses meios são os direitos que libertam o ser humano da miséria e da ignorância.
A seguir, procuraremos demonstrar a importante relação entre as alternativas democráticas e o poder local. Para isso vamos analisar a experiência brasileira, conhecendo primeiro a organização territorial do Estado brasileiro para, depois, estudarmos as experiências locais de democracia participativa, especialmente o orçamento participativo, mecanismo de democracia que permite a superação da velha dicotomia liberal entre Estado e sociedade civil mediante a criação de mecanismos de participação que permitam a permeabilidade ou porosidade do poder do Estado, o que só é possível ocorrer, de maneira efetiva e eficaz, em âmbito local, onde está o menor espaço territorial.
O tema da organização territorial dos Estados contemporâneos é hoje de grande importância para a construção da democracia participativa e do conceito de cidadania compreendido a partir da teoria da indivisibilidade dos direitos fundamentais.
Mais do que nunca, é fundamental que encontremos soluções efetivas de implementação de uma democracia participativa, fundada na cidadania, e, para que isso ocorra no Brasil, não podemos aguardar a construção de um Estado social avançado, que crie as bases da participação consciente da população, uma vez que, com a globalização neoliberal, não só o Estado social, mas o Estado nacional está em crise.
Não podemos, também, simplesmente abandonar a estrutura e o papel do Estado em vários níveis de organização territorial, apenas afirmando que a solução passa pela sociedade civil organizada. Se essa afirmativa é hoje considerada por alguns autores europeus, sem dúvida ela não se aplica aos países que não se enquadram na realidade da União Européia.


3 O FEDERALISMO

Já cuidamos do federalismo no tomo II do nosso curso de Direito Constitucional. Vamos aqui apenas colocar alguns elementos essenciais para a compreensão e a seqüência do texto.
Há várias formas de Estados federais no mundo contemporâneo. O federalismo não é hoje a única forma descentralizada de organização territorial, sendo que a partir da década de 1970, assistimos a um grande movimento em direção a uma acentuada descentralização, com inspirações políticas e econômicas diferenciadas, mas que marcam um caminho trilhado pelos Estados democráticos, sendo que as formas meramente desconcentradas, com poder centralizado subsistem hoje praticamente em Estados autoritários, nas suas variadas formas ainda encontradas.
O federalismo clássico formou-se a partir das experiência histórica norte-americana, formado por duas esferas de poder, a União e os Estados (federalismo de dois níveis), e de progressão histórica centrípeta, o que significa que surgiu historicamente da efetiva união de Estados anteriormente soberanos, que abdicaram de sua soberania (ou de parcelas de sua soberania) para formar novas entidades territoriais de direito público, ou seja: o Estado federal (pessoa jurídica de direito público internacional) e a União (pessoa jurídica de direito público interno). A União constitui uma das esferas de poder, ao lado dos Estados-Membros, diante dos quais não se coloca em posição hierarquizada.
Importante ressaltar, neste ponto, alguns aspectos importantes a respeito das formas descentralizadas de Estado em relação ao federalismo. O federalismo clássico de dois níveis diferencia-se de outros Estados descentralizados, como o Estado autonômico, regional ou unitário descentralizado, pelo fato de ser o único cujos entes territoriais autônomos detêm competência legislativa constitucional ou, em outras palavras, um poder constituinte decorrente. Assim:

• No Estado unitário descentralizado, as regiões autônomas recebem, por lei nacional, competências administrativas, caracterizando a descentralização pela existência de uma personalidade jurídica própria e eleição dos órgãos dirigentes. Essa descen-tralização de, apenas, competências administrativas pode ocorrer em nível municipal, departamental (provincial) ou regional, em um só nível ou em vários níveis simultaneamente.
• No Estado regional, as regiões autônomas recebem competências administrativas e legislativas ordinárias, elaborando o seu estatuto, mas sempre com o controle direto do Estado nacional. Nesse caso, a descentralização avança para, além de competências administrativas, geralmente, em quatro níveis, também de competências legislativas ordinárias, em dois níveis.
• No Estado autonômico, o interessante modelo espanhol da Constituição de 1978, vemos outro modelo altamente descentralizado. Nesse modelo, ocorre uma descentralização administrativa em quatro níveis e legislativa ordinária em dois níveis, diferenciando-se esse modelo de Estado regional pela forma ímpar de constituição das autonomias, onde a Constituição espanhola de 1978 permitiu que a iniciativa partisse das províncias para constituírem comunidades autonômicas e elaborassem seus estatutos, que, para terem validade, devem ser aprovados pelo parlamento nacional (as Cortes Gerais – Câmara de Deputados e Senado), transformando-se em lei especial, que só poderá ser alterada por iniciativa das comunidades autônomas a cada cinco anos, pelo mesmo processo legislativo.
• No Estado federal, os entes descentralizados detêm, além de competências administrativas e legislativas ordinárias, também competências legislativas constitucionais, o que significa que os Estados-Membros elaboram suas constituições e as promulgam sem que seja possível ou necessária a intervenção do parlamento nacional para aprovar esta Constituição estadual (como é necessário em relação aos estatutos das regiões autônomas no Estado regional e no Estado autonômico). Essa Constituição dos Estados-Membros sofrerá apenas um controle de constitu-cionalidade a posteriori, o que é um controle técnico que não caracteriza, juridicamente, hierarquia entre os Estados-Membros e a União.
• Não estamos considerando como característica diferenciadora entre esses tipos de Estados a descentralização de competências jurisdicionais, que pode ou não ocorrer sem descaracterizar os modelos acima mencionados.
• O grau de descentralização ou o número de competências legislativas e administrativas transferidas aos entes descentralizados também não é hoje mais elemento diferenciador entre o Estado federal e as outras formas descentralizadas de Estado, pois existem Estados federais centrífugos, em que o número de competências legislativas e administrativas dos Estados-Membros é inferior ao das regiões autônomas na Espanha, por exemplo. O nosso federalismo é um dos modelos menos descentralizados, bastando, para confirmar essa afirmativa, ler a distribuição de competências legislativas e administrativas nos arts. 21 a 24 da Constituição Federal de 1988.

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