sábado, 18 de setembro de 2010

57- Teoria da Constituição 6

7 PODER LOCAL E DEFESA DA DEMOCRACIA

Jose Luiz Quadros de Magalhaes

Como já mencionamos anteriormente, a crise da democracia representativa tem demonstrado como é possível a utilização de mecanismos que foram criados para a democracia em favor da perpetuação do poder.
As constantes reconstruções conceituais históricas da idéia de democracia e a manipulação da opinião pública por meio da propaganda e da criação de sentimentos comuns com o fortalecimento da emoção sobre a razão não são temas novos e para aprofundar a questão é importante conhecer a obra de Carl Schimitt e a crítica que se tem construído sobre essa obra.
Citando Marcia Felicíssimo,11 entre Hitler e Schimtt há acordos significativos, mas a teoria de Schimitt é mais ampla, pois se adapta a diversas situações de controle e de construção da inclusão e da exclusão, portanto teoria que pode se revestir de diferentes formas e estéticas, sendo clara a sua vivência até os dias de hoje. Nas palavras da pesquisadora:

para Schimitt este (a questão da superioridade da raça em Mein Kampf) é apenas um expediente, dentre muitos outros possíveis. A idéia de povo ou nação deve ser trabalhada, manipulada pelo líder, tal como Hitler estava a fazer dentro da herança germânica específica que recebeu identificando o inimigo que possibilitaria a união de pessoas tão diversas e de interesses tão distintos quanto as que compunham a Alemanha de então, pra torná-la uma unidade, uma totalidade política, mediante a exclusão de alemães da própria condição de alemães. A teoria schimittiana não tem bases biológicas e nem o anti-semitismo é o seu centro, pelo contrário, para Schimitt é importante apenas que o líder seja hábil o bastante para manipular os ódios e idiossincrasias herdadas na construção do inimigo que poderá politizar as relações12 e criar o ambiente totalitário da comunidade política orgânica, unitária do povo verdadeiramente alemão contra outros alemães considerados agora inimigos infiltrados.13

Em outro momento, a autora ressalta que se pode ver o influxo da teoria de Schimitt diretamente na concepção de Hitler na unidade do povo: se para Hitler a unidade do povo se funda no sangue é apenas porque o inimigo eleito pela tradição requeria e tornava plausível essa escolha. Para Schimitt, o elemento determinante é que o sentimento de pertinência seja trabalhado de forma ativa pelo líder, valendo-se concretamente da herança recebida capaz de fornecer um sentimento de naturalidade e de enraizamento, no passado, da noção de povo, estratégia autoritariamente reconstruída. A Gemeinschaft, comunidade orgânica, surge à medida que se criam politicamente as condições de plausibilidade para opor drasticamente o compartilhamento de valores,14 o cultivo das tradições e a comunhão da forma de vida existencial da maior parcela da população às das minorias, pintando-as como inimigas. Esses são os elementos que para Schimitt podem e devem ser manipulados para promover a integração e que podem permitir a constituição do povo-nação pelo líder, núcleo da verdadeira democracia. Como Hitler, Schimitt duvida radicalmente da utilidade da discussão pacífica. Contra a discussão ele propõe a decisão.15
A crise da democracia representativa se agrava com a influência cada vez maior do poder econômico nas campanhas eleitorais, e a resistência, a que assistimos vem com a força dos fóruns populares dialógicos e democráticos, nos quais, a partir de organizações que surgem em torno de questões locais, ganha-se a perspectiva da indissociabilidade dos níveis territoriais das soluções, ou seja, a construção de um novo ser humano que perceba a precariedade do materialismo, do consumismo e do desenvolvimentismo capitalista diante das necessidades ambientais, ecológicas e espirituais.
Hoje, em várias democracias representativas, vende-se um representante como se vende um sabão em pó. Quem fabricar melhor seu representante, tiver mais dinheiro para contratar uma boa empresa de marketing e conseguir muito tempo de mídia conquista e mantém o poder. Nos Estados Unidos, um senador democrata gastou 60 milhões de dolares para se eleger nas eleições de 2000. Nos Estados Unidos, o salário de um senador é de 150 mil dolares ano, para um mandato de seis anos.16 Quais interesses sustentam esse senador? Quem ele representa? O povo? Hoje, sabe-se que nos Estados Unidos da América só tem chance de chegar ao poder quem tem atrás de si os milhões de dólares das megacorporações da indústria arma¬mentista, da indústria de tabaco, da industria farmacêutica, de petróleo e outras.
Qual a alternativa para este megapoder global? Podemos dizer que a resistência ocorre, hoje, em dois flancos: a sociedade global e a sociedade local, duas faces de uma mesma moeda. O cidadão é, hoje, global e local. A sociedade de comunicação deve fincar suas bases em um território, núcleo de organização social e de criação de modelos econômicos e sociais alternativos capazes de gerar novos valores alternativos ao materialismo da sociedade de consumo e à lógica perversa da concorrência. O núcleo local é o principal na transformação de valores e de realização de justiça social e econômica. Simultaneamente, esse núcleo local deve estar em comunicação permanente com outros núcleos (organizações sociais, ONGs, municípios, comunidades de bairro, rádios, jornais e televisões comunitárias, etc.) de todo o mundo. A inserção desses núcleos na comunicação global garante seu arejamento e evolução constante, afastando o perigo ultranacionalista, a exclusão étnica, racial, religiosa, cultural ou a mais sofisticada forma de exclusão ainda nascente, mas não menos assustadora: a exclusão genética.
O contato com o diferente, com valores e fórmulas de busca da felicidade diferentes, ou seja, o pluralismo e a diversidade cultural, nos permite evoluir e resistir à massificação das empresas globais, onde em qualquer parte do globo se come o mesmo sanduíche, a mesma pizza ou o mesmo frango frito.
A pergunta que se segue é a seguinte: Como criar uma sociedade reflexiva no Brasil? Essa pergunta pode ganhar diversas formas diferentes com o mesmo sentido, mudando, entretanto, o referencial teórico: Como possibilitar um agir comunicativo efetivo? Como construir uma democracia dialógica? Como construir uma democracia radical? Enfim, qual caminho devemos seguir para efetivar, no Brasil, a democracia participativa efetiva?

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