sábado, 18 de setembro de 2010

59- Teoria da Constituição 8 - Separação dos Poderes

A TEORIA DA SEPARAÇÃO DE PODERES
A DIVISÃO DA FUNÇÕES AUTÔNOMAS DO
ESTADO CONTEMPORÂNEO

José Luiz Quadros de Magalhães

Um dos princípios fundamentais do constitucionalismo moderno é o da separação de poderes. A idéia da separação de poderes para evitar a concentração absoluta de poder nas mãos do soberano, comum no Estado absoluto que precede as revoluções burguesas, fundamenta-se nas teorias de John Locke e de Montesquieu. Imaginou-se um mecanismo que evitasse essa concentração de poderes, na qual cada uma das funções do Estado seria de responsabilidade de um órgão ou de um grupo de órgãos. Esse mecanismo foi aperfeiçoado posteriormente com a criação de mecanismos de freios e contrapesos, em que esses três poderes, que reunissem órgãos encarregados primordialmente de funções legislativas, administrativas e judiciárias pudessem se controlar. Esses mecanismos de controle mútuo, se construídos de maneira adequada e equilibrada e se implementados e aplicados de forma correta e não distorcida (o que é extremamente raro), permitirá que os três poderes sejam autônomos não existindo a supremacia de um em relação ao outro.
Importante lembrar que os poderes (que reúnem órgãos) são autônomos e não soberanos ou independentes. Outra idéia equivocada a respeito da separação de poderes é a de que os poderes (reunião de órgãos com funções preponderantes comuns) não podem, jamais, intervir no funcionamento do outro. Ora, essa possibilidade de intervenção, limitada, na forma de controle, é a essência da idéia de freios e contrapesos. No sistema parlamentar contemporâneo, também estudado no Tomo II, há a separação de poderes, havendo entretanto, mecanismo de intervenção radical no funcionamento do Legislativo por parte do Executivo (dissolução antecipada do parlamento) e do Legislativo no executivo (a queda do governo por perda do apoio da maioria no parlamento). No sistema presidencial, em que os mandatos são fixos, não havendo a possibilidade de intervenção radical do parlamentarismo, a intervenção ocorre na forma de controle e de participação complementar, por exemplo, quando o Executivo e Legislativo participam na escolha dos membros do Supremo Tribunal Federal.
Outro aspecto importante é o fato de que os poderes têm funções preponderantes, mas não exclusivas. Dessa forma, quem legisla é o Legislativo, havendo, entretanto, funções normativas, por meio de competências administrativas normativas no Judiciário e no Executivo. Da mesma forma a função jurisdicional pertence ao Poder Judiciário, havendo, entretanto, funções jurisdicionais em órgãos da administração do Executivo e do Legislativo. O Contencioso administrativo no Brasil não faz coisa julgada material, pois a Constituição impõe que toda lesão ou ameaça a direito seja apreciada pelo Judiciário (Art. 5, inciso XXXV, da CF). Entretanto, em sistemas administrativos como o francês, há no contencioso administrativo diante de tribunais administrativos, a coisa julgada material, o que significa dizer que da decisão administrativa não há possibilidade de revisão pelo Poder Judiciário. Finalmente, é obvio que há funções administrativas nos órgãos dos três poderes.
Com a evolução do Estado moderno, percebemos que a idéia de tripartição de poderes se tornou insuficiente para dar conta das necessidades de controle democrático do exercício do poder, sendo necessário superar a idéia de três poderes para se chegar a uma organização de órgãos autônomos reunidos em mais funções do que as três originais. Essa idéia vem se afirmando em uma prática diária de órgãos de fiscalização essenciais à democracia, como os Tribunais de Contas e, principalmente, o Ministério Público. Ora, por mais esforço que os teóricos tenham feito, o encaixe desses órgãos autônomos em um dos três poderes é absolutamente artificial e, mais, inadequado.
O Ministério Público, recebeu na Constituição de 1988, autonomia especial que lhe permite proteger, fiscalizando o respeito à lei e a Constituição e, logo, os direitos fundamentais da pessoa, o patrimônio público e histórico, o meio ambiente, o respeito aos direitos humanos, etc. Para exercer de forma adequada suas funções constitucionais, o Ministério Público não pode estar vinculado a nenhum dos poderes tradicionais, especialmente porque sua função preponderante é fiscalizar e proteger a democracia e os direitos fundamentais.
Embora o constituinte de 1987-1988 não tenha dito expressamente tratar-se o Ministério Público de um quarto poder, a análise sistêmica do texto assim o caracteriza, ao conceder-lhe autonomia funcional de caráter especial. Qualquer tentativa de subordinar essa função de fiscalização típica do Ministério Público a qualquer outra função significa reduzir os mecanismos de controle democráticos o que é inconstitucional.
O que o constituinte brasileiro inovou, sem, entretanto, explicitar, o constituinte venezuelano o fez de forma inequívoca na Constituição da República Bolivariana da Venezuela, de 1999. A Constituição Venezuelana estabelece cinco poderes: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário, o Poder Cidadão (o Ministério Público e a Defensoria Pública) e o Poder Eleitoral.
Podemos dizer que o Estado contemporâneo reúne as seguintes funções:

• a função legislativa;
• a função jurisdicional;
• a função constitucional (dos poderes constituintes de reforma);
• a função administrativa;
• a função de governo;1
• a função simbólica (típica dos sistemas parlamentares e pertencente ao chefe de Estado);
• e a função de fiscalização

Além da separação (melhor divisão) de poderes (melhor funções) horizontal até aqui tratada, temos ainda uma divisão vertical de poderes (ou competências), já estudada de forma detalhada no Tomo II, quando estudamos as formas de organização territorial no Estado contemporâneo (o Estado Unitário descentralizado, o Estado Regional, o Estado Autonômico e principalmente nas várias formas de federalismo). A separação vertical de poder no Estado Federal permite superar o monismo jurídico, tornando possível a convivência de orde¬namentos jurídicos de até três níveis em um mesmo sistema constitu-cional. Trata-se de uma forma plural de produção legislativa.
A seguir, estudaremos as novas funções do Estado, centrando a discussão na necessidade de dividir funções preponderantes de governo (poder político) das funções preponderantes de gestão técnico-administrativa (função técnico-política) da administração pública que não pode se confundir com funções de poder político típicas do governo.

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