domingo, 26 de setembro de 2010

66- Teoria da Constituição 14

5 A REFORMA DA CONSTITUIÇÃO NO
DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO COMPARADO

Jose Luiz Quadros de Magalhaes

5.1 Alemanha

A Constituição Federal da Alemanha, a mesma Lei Fundamental de Bonn de 1949, que agora é a Constituição da Alemanha unificada, prevê, em seu art. 79 § 1º, que a Constituição pode ser alterada por uma lei que expressamente complete ou modifique seu texto. O quorum para a aprovação da lei constitucional é de dois terços dos membros do Parlamento Federal (eleito pelo povo) e do Conselho Federal (o Senado, que é composto por membros dos governos estaduais).
Como ocorre na Constituição brasileira, há cláusulas constitucionais que expressamente não podem ser objeto de reforma: a Federação (como ocorre no Brasil), a participação dos Estados-Membros no processo legislativo federal e os direitos fundamentais da pessoa (também como ocorre no Brasil). É fácil extrair do texto da Constituição a proibição da abolição ou eliminação da essência ou integridade da Constituição, o que é base da teoria constitucional.9 A Constituição alemã sofreu 51 emendas até 2002, sendo que o ano em que sofreu maiores modificações foi 1969, com 8 emendas - 19 à 26. Esse foi um período forte na história recente da Alemanha, com a Guerra Fria e as atividades terroristas. A Emenda 17 (chamada de Revisão Constitu¬cional 17 - revisão utilizada como sinônimo de emenda), de 24 de junho de 1968, dentre outras decisões deu poderes ao parlamento federal para autorizar, por meio de lei, a vigilância sobre comunicações, sem aviso do vigiado, passando ainda o controle dos órgãos criados para supervisionar as atividades de vigilância do Poder Judiciário para as autoridades administrativas10
A pesquisadora Ana Letícia Queiroga de Mattos observa que a mencionada Emenda 17, que restringe direitos individuais, especialmente referentes à privacidade, ocorreu em um contexto de retomada de certa autonomia ao governo alemão, uma vez que a tropas de ocupação da Grã-Bretanha, França e Estados Unidos mantiveram o sistema de comunicações alemão sob supervisão até o acordo de transferência desse poder. Isso dependia da aprovação de uma emenda ao art. 10 da Constituição concedendo poderes ao parlamento para autorizar, por meio de lei, a vigilância sobre comunicações, retirando da esfera judicial o controle das ações dos órgão de vigilância.
Diante dessa emenda, os Estados-Membros (lander) de Hessen e Bremen, juntamente com um grupo de advogados e juízes, propuseram ações de inconstitucionalidade diante do Tribunal Federal argüindo a inconstitucionalidade diante aos art. 1º e 20, que dispõem sobre direitos fundamentais. O Tribunal, no entanto, julgou a emenda constitucional entendendo que restrições a direitos em função da proteção da integridade da Republica Federal da Alemanha e a proteção ao seu sistema democrático são permitidas. O Tribunal Federal declarou que ataques à democracia liberal não podem ser tolerados em nome de um uso abusivo dos direitos fundamentais.11


5.2 Venezuela

A Constituição da Venezuela se denomina um Estado Social Democrata de Direito e de Justiça no seu art. 2º, sendo descentralizado na forma federal. O Legislativo da União é unicameral, sendo que a representação dos 23 Estados federados se dá na Câmara de Deputados (Assembléia Nacional), cuja representação é proporcional à população de cada Estado-Membro. Embora os Estados não tenham uma representação no Senado (que inexiste) o art. 206 da Constituição prevê consulta aos Estados-Membros que se legislem em matéria de interesse desses entes federados. A consulta será feita à sociedade civil e às instituições dos Estados. A Constituição bolivariana traz diversos mecanismos democráticos participativos, superando a visão meramente representativa de constituições passadas.12
A reforma da Constituição ocorre por meio de emendas cuja iniciativa pode ser de 15% dos cidadãos (art. 340) inscritos no registro civil e eleitoral (voto facultativo) e de 30% dos integrantes da Assembléia Nacional e pelo Presidente da República. A emenda deverá ser aprovada pela maioria dos integrantes da Assembléia, seguindo o procedimento legislativo ordinário. O projeto de emenda é apresentado acompanhado de exposição de motivos, sendo, então, distribuído a cinco parlamentares, quando ocorre a primeira discussão. Posteriormente, o projeto é enviado às comissões da Assembléia, que deverão apresentar relatórios aprovados por 3/5 dos membros. Será, então, promovida uma segunda discussão, na qual os parlamentares discutirão artigo por artigo do projeto de emenda constitucional. A emenda aprovada será submetida a referendo popular após trinta dias de sua recepção formal.
Há, ainda, a previsão de um reforma ampla (uma revisão constitucional) prevista no arts. 343 a 345. A iniciativa será da maioria da Assembléia, ou 15% dos eleitores, ou, ainda, pelo Presidente da República. A aprovação da reforma ampla (revisão) deverá ocorrer até um prazo não superior a dois anos a contar do momento em que se aprovou a solicitação da reforma, com o voto de 2/3 dos integrantes da Assembléia Nacional. Após aprovação pela Assembléia, o projeto será submetido a referendo em trinta dias. O Presidente da Republica está obrigado a promulgar a reforma, bem como as emendas, nos dez dias seguintes à sua aprovação. Caso isso não ocorra, o art. 216 prevê que o Presidente da Assembléia Nacional e os dois vice-presidentes farão a promulgação.
Não há clausulas expressamente imodificáveis, mas o art. 350 dispõe que o povo da Venezuela desconhecerá qualquer regime, legislação ou autoridade que contrarie os valores, princípios e garantias democráticas e os direitos humanos. Segunda Flávia Maria Gontijo da Rocha,13 o mandamento do art. 350 é norma norteadora para as limitações que não figuram explicitamente, mas que são deduzidos do texto da Constituição.
Finalmente, a Constituição prevê a possibilidade de convocação de poder constituinte originário, uma nova Assembléia Nacional Constituinte, mediante acordo de 2/3 dos integrantes da Assembléia Nacional; pelos conselhos municipais em Assembléias, mediante voto de 2/3 de seus membros ou por 15% dos eleitores inscritos no registro civil e eleitoral. O presidente da Republica não poderá se opor à nova Constituição, que, uma vez promulgada, é publicada na Gazeta Oficial da Republica bolivariana ou na Gazeta da Assembléia Nacional.

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