domingo, 5 de dezembro de 2010

115- Teoria da Constituição 32 Controle de Constitucionalidade na Italia e França

7.4.2 Itália

A Corte Constitucional italiana é órgão colegiado, especial, autônomo e independente dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, possuindo autonomia normativa, administrativa, financeira e contábil, além de capacidade de auto-organização (Legge n. 87, de 11 de março de 1953). É um órgão de natureza jurídico-política, exercendo funções preponderamente jurisdicionais. A Corte é composta de 15 juízes sendo um terço nomeados pelo Presidente da República (a Itália adota um sistema de governo parlamentar no qual o Presidente exerce função simbólica de representação); um terço pelo Parlamento19 e um terço pelas Supremas Magistraturas ordinária e administrativa (3 escolhidos pela Corte de Cassação; 1 pelo Conselho de Estado e 1 pela Corte de Contas conforme o art. 2º da Lei n. 87, de 1953).20
O controle de constitucionalidade na Itália é concentrado. Segundo o art. 134 da Constituição da Republica Italiana é de competência do Tribunal Constitucional julgar a constitucionalidade das leis e dos atos com força de lei do Estado e das Regiões (a Itália é um Estado Regional); resolver conflitos de atribuição entre os poderes do Estado Nacional, entre o Estado Nacional e as Regiões e entre as Regiões; julgar as acusações movidas contra o Presidente da República, segundo a Constituição (alta traição e violação da Constituição). Interessante observar que lei constitucional de 16 de janeiro de 1989 aboliu a competência para apreciar e julgar acusações contra ministros, que passaram a ser julgados perante a jurisdição penal comum.
Uma via de acesso ao controle de constitucionalidade do Tribunal Constitucional é a incidental, no caso concreto, em que a autoridade judicial pode indicar questão constitucional, uma vez que entenda que para solução do caso concreto é necessário superar inconstitucio¬na¬lidade de norma a este aplicável, encaminhando o processo ao Tribunal para seu pronunciamento. A questão de inconstitucionalidade da lei aplicável ao caso pode ser suscitada pelo próprio juiz (ordinário ou administrativo), pelo Ministério Público e pelas partes. Logo, o juiz não pode se pronunciar sobre a inconstitucionalidade. Caso entenda ser a norma inconstitucional, deve encaminhar a questão para solução pelo Tribunal Constitucional. Entretanto, pode o juiz do caso, quando alegada a inconstitucionalidade pelas partes, rejeitar a exceção por manifesta irrelevância e falta de fundamentação (infondatezza). Se entender relevante e fundado o pedido, encaminha a questão por meio de autos próprios, ficando o processo sob sua direção suspenso até que se decida a questão prejudicial.
O controle por via principal de lei ou ato com força de lei ocorre por meio de ação proposta diretamente ao Tribunal, independentemente da existência de processo judicial ou administrativo. Competentes para a proposição da ação são o governo central após deliberação do Conselho de Ministros; as Regiões, após autorização da Junta Regional; as Províncias de Trentino e Trento; e por grupos lingüísticos.
Existe ainda o controle preventivo, por meio do qual o Presidente das República pode requerer nova deliberação de projeto de lei que entenda inconstitucional, suspendendo a promulgação da lei. Entretanto, se as Câmaras aprovarem novamente a proposição de lei, o Presidente é obrigado a promulgá-la.


7.4.3 França

Durante muito tempo a França ignorou o mecanismo de controle de constitucionalidade. Historicamente, o Poder Judiciário teve sua influência e sua participação reduzidas na história francesa após a Revolução Francesa, dada a sua íntima conexão com a monarquia no período anterior. A França é um país com uma tradição de Executivo forte e democrático, administração pública e Parlamento fortes e democráticos.
Como observa a professora e pesquisadora da PUC-MG, Luciana Pereira Pimenta, em trabalho sobre o controle de constitucionalidade na França, os juízes franceses do antigo regime freqüentemente eram abusivos e arbitrários, sendo a função judiciária um direito patrimonial a ser exercido da forma como lhes aprouvesse. Após a Revolução Francesa, adotou-se de forma radical a separação de poderes, impossibilitando qualquer intervenção do Judiciário na função do Legislativo. Como expressão da soberania popular, a lei produzida pelo parlamento não poderia ser revista por nenhum outro órgão estatal. O legislador tornou-se infalível. Essa foi a realidade até o fim da Segunda Guerra Mundial. Na quarta República (1946-1958), criou-se o Comitê Constitucional, que era apenas um órgão de conciliação entre o Senado e a Assembléia Nacional.
O controle de constitucionalidade começa com o Conselho Constitucional, com a Constituição de 1958 (V República). A justiça constitucional na França inicia-se, assim, de forma ainda muito tímida. A importância do Conselho Constitucional aparece apenas com a revisão constitucional de 1974, que atribuiu a iniciativa do processo a no mínimo 60 deputados ou 60 senadores. O Conselho Constitucional está previsto no Título VII, arts. 56 a 63 da Constituição Francesa de 1958, que prevê competências jurisdicionais (as principais) e consultivas de caráter ocasional (opinião sobre textos relativos à organização do escrutínio para certas eleições e opinião sobre o estabelecimento do art. 16 da Constituição sobre os poderes de exceção do Presidente da República). As competências jurisdicionais fazem com que o Conselho exerça jurisdição eleitoral e constitucional. Na competência eleitoral, o Conselho resolve sobre a regularidade das eleições presidenciais, legislativas e sobre referendos. O Conselho é que proclama o resultado das eleições. Exercendo a competência constitucional o Conselho exerce o controle sobre as leis e os tratados, sendo esse controle obrigatório sobre as leis orgânicas. Esse controle é prévio, ocorrendo depois do voto do parlamento, mas antes de entrada em vigor das leis.
O Conselho entra em ação a pedido do Presidente da República, do Primeiro-Ministro, do Presidente da Assembléia Nacional e do Presidente do Senado ou, ainda, como mencionado, a partir de 1974, a pedido de 60 deputados ou senadores.
São nove os membros do Conselho Constitucional, sendo três nomeados pelo Presidente da República; três pelo presidente do Senado e três pelo presidente da Assembléia Nacional. Os ex-presidentes da República são membros vitalícios do Conselho. O Presidente do Conselho Constitucional é nomeado pelo Presidente da República, tendo o voto de desempate. O controle de constitucio¬nalidade na França é prévio e concentrado, sendo ainda muito restrito. Não há tradição de uma jurisdição constitucional ampla no sentido de interpretação da lei segundo a Constituição. O juiz aplica a lei, e não a Constituição.
Em 2004, o Conselho Constitucional francês contava com três mulheres entre os seus nove membros. Não há ex-presidentes integrando o Conselho. Finalmente, ressalte-se que, em 30 de março de 2004, foi proposto projeto de lei prevendo a possibilidade de que um jurisdicionado que considerasse o texto de uma lei aplicada a ele inconstitucional pudesse levantar a exceção de inconstitucionalidade. Esse sistema foi aprovado pela Assembléia Nacional, mas rejeitado pelo Senado. Em outro projeto apresentado recentemente pelo Senador Patrice Gélard, constou na exposição de motivos a seguinte argumentação, lembrada por Luciana Pereira Pimenta em sua pesquisa:

A França não é, ainda, totalmente um Estado de direito pelo fato de que certas leis anteriores ou posteriores a 1958, escaparam ao controle do Conselho Constitucional, podendo ser contrárias à Constituição e prejudiciais aos direitos fundamentais do homem e do cidadão. Esta questão já tinha sido objeto de propostas anteriores, notadamente a do Primeiro-Ministro Michel Rocard e a da comissão presidida pelo decano Vedel sobre a reforma da Constituição. Mas as propostas anteriores tinham o inconveniente de se aproximar da exceção de inconstitucionalidade em uso nos países dotados de um tribunal constitucional que pratica um controle a posteriori e, por conseguinte não ter em conta a especificidade francesa. Desta forma a proposta de lei constitucional aqui anexada visa a preencher esta lacuna jurídica no nosso sistema de Estado de Direito ao mesmo tempo em que o restante continua fiel à nossa concepção do controle de constitucionalidade.