domingo, 5 de dezembro de 2010

125- Teoria da Constituição 35

Controle de Constitucionalidade na Espanha
Jose Luiz Quadros de Magalhaes

O procedimento de controle de constitucionalidade na Espanha é concentrado. Os instrumentos mais importantes desse sistema são o Recurso de Inconstitucionalidade (RJ) e a Cuestión de Inconstitucionalidade (CI). Há, ainda, algumas peculiaridades, como o controle preventivo, que possibilitou, durante certo tempo, o controle das leis antes que se finalizassem as formalidades necessárias à sua entrada em vigor e que, atualmente, destina-se à análise da adequação dos tratados internacionais à ordem constitucional espanhola.
O pesquisador da PUC Minas e professor, Bruno de Almeida Oliveira, faz um importante trabalho25 de resgate histórico da história constitucional espanhola observando que:

as constituições espanholas de 1812, 1837, 1845, 1869 e 1876 já continham, de forma não explícita, a sua supremacia sobre as demais leis, porém, a jurisprudência, ao longo dos anos, se limitou a declarar esta supremacia, não seguindo a tendência iniciada, nos EUA, com o precedente de Madison vs. Marbury. Assim, apesar de existir uma noção de supremacia constitucional, as leis que porventura não se apresentassem conforme com a Lei Fundamental em vigor, então, não eram consideradas nulas pelos juízes.

Bruno Oliveira observa que vale ressaltar que, no projeto de 1873, que deu origem à Constituição de 1876, chegou a ser prevista uma espécie de controle dual de constitucionalidade: preventivo e abstrato, pelo Senado; repressivo e concreto, pelo Tribunal Supremo. Esse importante avanço, porém, não foi incorporado ao texto então promulgado. Percebe-se, desde a Constituição de 1812, a possibilidade de instituição na Espanha de um sistema de controle de constitucionalidade nos padrões norte-americanos, ou seja, de índole difusa, entretanto a Espanha, como, em regra, toda a Europa continental, acabou por seguir num rumo que levaria, afinal, à instituição do controle concentrado, inspirado nas idéias de Kelsen e Merkl, a chamada Escola de Viena.
Como observa Bruno Oliveira “há, ainda hoje, um resquício de controle difuso, no que se refere a normas pré-constitucionais, com efeitos apenas para as partes e desde que não haja necessidade de uma uniformização pelo Tribunal Constitucional.”26
Em 1931, com a instituição da República, foi criado o Tribunal de Garantias Constitucionais, de vida efêmera, uma vez que com o golpe de 1936 iniciou a sangrenta Guerra Civil até 1939 com a vitória dos fascistas de Francisco Franco. Como fim do fascismo franquista, entre 1974 e 1975, a Espanha buscou restaurar sua tradição constitucional e, em 1977, veio a lume o primeiro Precedente moderno de controle de constitucionalidade.

O Tribunal Supremo, debatendo a legalização do Partido Comunista, rechaça a sua competência para pronunciar-se sobre o tema, entendendo que o Decreto-Lei (1977) que modificava a Lei de Associações Políticas (1976) não tinha força (status) suficiente para alterar os marcos estabelecidos pela Lei Orgânica do Estado, que então ainda em vigor, conferindo a esta última um valor que a jurisprudência não vinha concedendo. Até então, utilizava-se, em geral, a regra do Código Civil, inspirada no Direito Romano, segundo a qual a lei posterior derroga a anterior, mesmo se se tratar de norma constitucional. Como fundamento dessa concepção, dava-se maior importância à vontade ‘do povo’, expressa pela atuação do legislador ordinário em exercício27

Como se percebe, não havia constitucionalismo no período fascista.
A Constituição Espanhola de 1978 restaurou a democracia social na Espanha, tendo como as leis mais importantes para o estudo do controle de constitucionalidade a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), de 1979, e a Lei Orgânica do Poder Judiciário (LOPJ), de 1985.
O art. 164 da Constituição da Espanha afirma ser o Tribunal Constitucional intérprete supremo da Constituição e órgão jurisdicional superior, em todo o território espanhol, em matéria de garantias cons¬ti¬tucionais. O órgão de controle está, pois, subordinado apenas à Constituição e à sua Lei Orgânica não integrando formalmente o Poder Judiciário.
O Tribunal Constitucional compõe-se de 12 magistrados, nomeados pelo Rei de Espanha (ato vinculado), sendo que quatro deles são indicados pelo Congresso, quatro pelo Senado, dois pelo Governo e dois pelo Conselho Geral do Poder Judiciário, exigindo-se para o cargo formação jurídica, reconhecida competência e quinze anos de exercício profissional. Constata-se que, ao longo dos anos, a maioria dos juízes tem sido composta por professores universitários (catedráticos).
O mandato é de nove anos, sendo que a cada três anos renova-se um terço do Tribunal. É vedada a recondução, salvo se o juiz em questão tiver exercido menos de três anos de mandato. O Tribunal divide-se em duas salas - a primeira pelo Presidente do Tribunal com cinco juízes e a Segunda com o Vice-Presidente do Tribunal também com cinco juízes.
A competência é definida no art. 161 da Constituição, que traz uma relação aberta, segundo a qual o Tribunal poderá conhecer de las demás materiais que le atribuyan la Constitución o las Leyes Orgánicas. O Tribunal tem as seguintes competencias:

Del recurso de inconstitucionalidad contra leyes, disposciones normativas o actos com fuerza de ley.
De la cuestión de inconstitucionalidad sobre normas com rango de ley.
Del recurso de amparo por violación de los derechos y libertades referidos en el art. 53.2 CE.
De los conflictos de competencia entre el Estado y las Comunidades Autónomas, o de éstas entre sí.
De los conflictos entre los órganos constitucionales del Estado (Congresso, Senado, Gobierno y Consejo General del Poder Judicial).
De la declaración sobre la constitucionalidad de los Tratados internacionales.
De la impugnación por el Estado de las disposiciones y resoluciones adoptadas por los órganos de las Comunidades Autónomas.
De los conflictos en defensa de la autonomia local.28

Observa Bruno Oliveira que as sentenças do Tribunal Constitucional podem ser classificadas em estimatórias desestimatórias, interpretativas e apelativas.
As sentenças estimatórias declaram a procedência da ação e, pois, a inconstitucionalidade da norma atacada. As desestimatórias são o seu oposto. No sistema espanhol, a declaração de que não há inconstitucionalidade (sentença desestimatória) não afirma a validade da norma impugnada. Ela não tem o caráter dúplice verificado, dentre outros casos, no Brasil. Observa-se, ainda, que a declaração de inconstitucionalidade pode não se ater exclusivamente ao preceito ou norma inicialmente questionada pelo proponente da ação, alcançando outros comandos normativos contidos na lei questionada aos quais se possa estender por conexão ou conseqüência.
Já as sentenças interpretativas encontram-se no meio-termo entre as estimatórias e as desestimatórias. Não constituem uma pretensão dedutível por ação, mas mera técnica de julgamento adotada pelo Tribunal Constitucional. É uma forma de preservar a norma, dada a presunção de constitucionalidade que lhe é intrínseca e, ainda, em decorrência aos impactos inerentes à expulsão de uma norma do orde¬na¬mento. Por meio dessa espécie de sentença, o Tribunal declara o sentido em que a norma deverá ser ou não poderá ser interpretada.29
Por fim, as sentenças apelativas imputam ao Poder Legislativo a necessidade de adequação à Constituição da Espanha de uma norma por ele expedida, exigindo a sua revisão ou a edição de outra norma que a complemente, de modo a adequá-la aos preceitos constitucionais. É dizer, direcionam-se àquelas normas que, apesar de não demonstrarem manifesta inconstitucionalidade, oferecem matizes ou arestas não harmonizáveis com a Constituição. As sentenças apelativas não têm força impositiva, mas são usualmente consideradas e observadas pelo Poder Legislativo.
As sentenças proferidas pelo Tribunal Constitucional que declarem a inconstitucionalidade de determinada norma devem ser necessariamente seguidas por todos os órgãos públicos, dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário.
Como afirma Bruno de Almeida Oliveira,

no sistema espanhol, tem-se que as decisões que importem em declaração de inconstitucionalidade de uma norma ‘corrigem’ a jurisprudência e os atos administrativos (principalmente aqueles de índole decisória) acaso discordantes, pacificando a questão. Se a orientação jurisprudencial (ou administrativa) era anteriormente discordante passa a ser vinculada pela orientação cristalizada na sentença, ficando impedida de aplicar a norma declarada inconstitucional.

O recurso de inconstitucionalidade é uma forma de controle repressivo, direto e abstrato da constitucionalidade das normas. Objetiva depurar o ordenamento infraconstitucional.
A legitimidade ativa para a propositura da ação está contida no art. 162.1.a., da Constituição da Espanha, e no art. 32 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional. É restrita aos seguintes sujeitos:

• Presidente do Governo;
• Defensor del Pueblo;
• 50 deputados;30
• 50 senadores;31
• Órgãos colegiados executivos das Comunidades Autônomas e, conforme o caso, suas assembléias32.

Nos casos dos órgãos coletivos acima indicados (Congresso, Senado e Assembléias), é necessário formalizar um instrumento de autorização (acuerdo), que deverá ser apresentado juntamente com a petição inicial do recurso.
Há uma hipótese de legitimação indireta, prevista na Lei n. 7/1985, que regula as bases dos regimes locais. Segundo essa regra, as entidades locais estão legitimadas a promover a impugnação de leis do Estado ou das Comunidades Autônomas a que pertençam quando considerarem que estas ferem sua parcela de autonomia, conferida constitucionalmente. Para tanto, a representação local na Comissão Nacional de Administração Local, ou a própria Comissão, poderá solicitar aos legitimados já indicados que intentem o recurso de incons¬titucionalidade em seu favor, com base nos argumentos por ela fornecidos. Observa-se, porém, que o sujeito legitimado, não está vinculado à interposição do recurso ou às razões a ele apresentadas. Ele proporá o recurso de inconstitucionalidade apenas se também estiver convencido de que a norma suscitada está de acordo com a Constituição da Espanha.33
A relação dos legitimados à propositura do recurso de inconsti¬tucionalidade, frise-se, é taxativa e rigorosa (numerus clausus), por razões de prudência e de segurança e normalidade jurídicas.
O objeto de controle é sempre a lei em abstrato e sua não-conformidade com os parâmetros constitucionais, com o intuito de garantir a supremacia da Constituição, como norma máxima do Ordenamento Jurídico, não existe a previsão de inconstitucionalidade por omissão, sob o fundamento de que o Tribunal Constitucional não pode se investir dos poderes inerentes à função legislativa. Não lhe é permitido agir como um legislador positivo, apenas negativo.
A questão de Inconstitucionalidade é uma forma de controle repressivo, indireto e concreto de constitucionalidade adotada pelo sistema concentrado espanhol. Presta-se a analisar a constitucionalidade de norma de cuja validade dependa a decisão do caso concreto. Havendo dúvida do julgador sobre a sua constitucionalidade, ele deverá suscitar a cuestión ao Tribunal Constitucional.
É faculdade exclusiva do juiz ou tribunal que analisar o processo, no momento de prolação da sentença. Pode, pois, se dar de ofício ou mediante requerimento de uma das partes. Observa-se que o requerimento da parte não vincula o juiz, que poderá denegá-lo. A “dúvida” necessária à postulação da questão de inconstitucionalidade deve dizer respeito unicamente à convicção do julgador. Se o juiz não tem dúvida sobre a validade da norma a ser aplicada em face da Constituição, não deverá iniciar o procedimento.
Existe ainda a cuestión de inconstitucionalidad que da mesma forma que a questão de inconstitucionalidade, pode dar-se de ofício ou a requerimento de parte. Porém, ocorrerá apenas nos recursos de amparo cuja competência seja originária do Tribunal constitucional.
Ocorrerá de ofício caso a Sala incumbida do julgamento de um recurso de amparo constitucional entenda que a aplicação da norma fere direitos fundamentais dotados de especial proteção e, assim, resolve suscitar a questão interna, que será dirigida ao Plano.
Importante ressaltar que, quando instalada mediante requerimento de parte, a autocuestión configura uma forma indireta de acesso de cidadãos ao controle de constitucionalidade no sistema espanhol.34 O procedimento é semelhante ao da questão de inconstitucionalidade, guardadas as devidas proporções.
O que se observa na práxis do Tribunal é que, surgindo a dúvida sobre a constitucionalidade da norma a ser aplicada na decisão da Sala, é utilizado o expediente de avocação do processo ao Pleno, em vez da autocuestión.
Finalmente, com a extinção do recurso prévio, o controle prévio dos Tratados Internacionais tornou-se o único método subsistente de controle prévio na Espanha. Esse recurso tem por finalidade obter uma declaração do Tribunal Constitucional se existe ou não contradição entre um tratado elaborado, mas ainda não firmado, no todo ou em alguma de suas cláusulas ou estipulações, e a Constituição da Espanha. O momento apropriado para a sua interposição se dá após a fixação do texto definitivo e antes de se dar o consentimento estatal.
A legitimidade para a sua propositura pertence ao Governo e às Cortes Gerais (Congresso ou Senado). Proposto por qualquer um desses órgãos serão cientificados os demais, que poderão manifestar-se podendo o Tribunal Constitucional abrir oportunidade de manifestação a outros interessados. A decisão tem efeito vinculante e faz coisa julgada. Não tem efeito erga omnes porque, conforme determina o raciocínio lógico-jurídico, não se expulsa do ordenamento algo que dele ainda não faz parte.