terça-feira, 10 de maio de 2011

347- Direitos Humanos 31 - Direito à saúde

5 SAÚDE




José Luiz Quadros de Magalhães



Direito à saúde não implica somente direito de acesso à medicina curativa. Quando se fala em direito à saúde, refere-se à saúde física e menta, que começa com a medicina preventiva, com o esclarecimento e a educação da população, higiene, saneamento básico, condições dignas de moradia e de trabalho, lazer, alimentação saudável na quantidade necessária, campanhas de vacinação, dentre outras coisas. Muitas das doenças existentes no País, em grande escala, poderiam ser evitadas com programas de esclarecimento da população, com uma alimentação saudável, um meio ambiente saudável e condições básicas de higiene e moradia. A ausência de alimentação adequada no período da gestação e nos primeiros meses de vida é responsável por um grande número de deficientes mentais.

Essas constatações nos levam a concluir que as medidas em relação à saúde não são apenas na área da medicina curativa, oferecendo à população hospitais, médicos e remédios. As medidas necessárias para que a população tenha saúde devem ser tomadas também em outros planos, que envolvem outros Direitos Sociais como a educação, o lazer, o meio ambiente, o trabalho; passam pelo Direito Econômico, através de um planejamento econômico voltado para a produção de alimentos diversificados a baixo custo e voltado para o consumo interno, e não a continuidade da mentalidade colonial agroexportadora. O Direito Econômico também é sustentação de uma política de saúde pública quando limita e controla a iniciativa privada no setor, ou quando o Estado adota uma política econômica de pleno emprego e salários justos.

Tudo isso nos leva a compreender a integração perfeita que existe entre os grupos de Direitos Humanos. Assim como os direitos individuais se concretizam através do oferecimento dos direitos sociais, estes direitos sociais dependem do Direito Econômico para que seja possível a sua realização. Isso está bem claro no exemplo do direito à saúde, sendo expressamente reconhecido pela Constituição Federal, no art. 196, que afirma ser a saúde “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Reconhece, portanto, o texto constitucional a amplitude do problema e de sua solução, implicando não apenas no oferecimento de medicina curativa, como também através da medicina preventiva, que depende de uma política social e econômica adequadas.

Nesse sentido, Wagner Balera escreve:



“Na esfera social, uma política que persiga esse objetivo (levar saúde a todos) implica no cumprimento de amplos programas de combates a epidemias; de cuidados básicos; de proteção e recuperação dos doentes. Concorrente com essa esfera, à órbita econômica cabe investir em programas de alimentação e nutrição, de higiene e saneamento ambiental.”83

A Constituição de 1988 criou um sistema único de saúde integrado por uma rede pública regionalizada e hierarquizada, descentralizado, com direção única em cada esfera do governo, devendo oferecer atendimento de qualidade a toda a população e priorizar as atividades preventivas, sem que haja prejuízo dos serviços assistenciais. O financiamento do sistema único, de acordo com o previsto no art. 195 da Constituição Federal, será feito com recursos provenientes dos orçamentos da Seguridade Social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.



“O serviço público de saúde será organizado, formalmente como um sistema único. Quer isto significar que não mais haverá a difusa administração da matéria na esfera da União (que implicava, por absurdo, na existência de dois ministérios e um sem-número de órgãos federais atuando no setor), nem a dispersão e superposição de órgãos e atribuições em esfera estadual e municipal. Sendo único, o sistema deverá possuir um específico modelo de relações entre o todo (o que dá unidade ao conjunto de órgãos, sujeitos e atribuições) e as partes que o integram.”84



Nas atribuições do sistema único de saúde relacionadas no art. 200, fica ainda muito clara a perfeita e necessária integração existente entre os grupos de direitos que compõem os Direitos Humanos, como também a integração dos diversos direitos sociais.

São atribuições do sistema único de saúde o controle e a fiscalização dos procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde, e participação da produção de medicamentos e equipamentos; a execução de ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; o ordenamento da formulação de recursos humanos na área de saúde; a participação na formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; a incrementação do desenvolvimento científico e tecnológico na área de saúde; a fiscalização e a inspeção de alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; a participação no controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radiativos; e ainda a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho, além de outras atribuições previstas em lei.

No Direito Constitucional Comparado encontramos o direito à saúde previsto na Constituição da Italia, de forma bastante sintética no art. 32, não permitindo uma compreensão ampla desse direito como ocorre na Constituição do Brasil:



“Art. 32. A República tutela a saúde como direito fundamental do indivíduo e interesse da coletividade, e garante tratamentos gratuitos aos indigentes.

Ninguém pode ser obrigado a um determinado tratamento sanitário, salvo disposição de lei. A lei não pode, em hipótese alguma, violar os limites impostos pelo respeito à pessoa humana.”



Afirma o art. 32 que a saúde é direito individual fundamental que a República deve tutelar. Uma das grandes dificuldades no estudo dos Direitos Humanos é justamente a inexistência de uma uniformidade terminológica. Como vimos, o direito à saúde é um direito social fundamental, que caracteriza o dever do Estado em oferecer saúde à população através de forma diversa. A afirmação da Constituição Italiana, considerando o direito à saúde como direito individual pode significar uma participação menor do Estado no que diz respeito a esse direito, não tendo o dever de oferecê-lo na sua plenitude, mas apenas de proteger o que já existe. Aliás, esse é o significado da palavra “tutela”. Deve a República “tutelar” a saúde.

O dispositivo faz ainda referência ao tratamento gratuito aos indigentes, o que nos sugere uma compreensão do direito à saúde, como medicina curativa, quando um texto moderno deve se preocupar antes com a medicina preventiva e a inexistência de indigentes, criando mecanismos constitucionais para que isto se concretize.

A Constituição da Espanha é mais completa e moderna ao determinar que os Poderes Públicos tomem medidas efetivas para o oferecimento deste Direito Social:



“Art. 43...................................................................................................

1 . É reconhecido o direito à proteção da saúde.

2 . Incumbe aos Poderes Públicos organizar e defender a saúde pública através de medidas preventivas e das prestações dos serviços necessários. A lei estabelecerá os correspondentes direitos e deveres.

3 . Os Poderes Públicos fomentarão a educação sanitária, a educação física e o desporto, bem como a adequada utilização dos tempos livres.”



Há no texto espanhol referência à saúde preventiva, e é estabelecida a relação entre saúde e educação, esporte e lazer. Reconhece a necessidade de os Poderes Públicos oferecerem meios através dos direitos sociais, para que os seres humanos possam usufruir realmente de suas liberdades. É uma visão atual que Gregório Peces-Barba ressalta, ao afirmar que há na Constituição espanhola, “uma positiva contribuição à socialização e a ampliação à sociedade civil da democracia, que pretende que os progressos formais do Direito possam converter-se em reais por impulso dos Poderes Públicos e que este esforço alcance tanto os indivíduos como os grupos”.85

A Constituição de Portugal de 1976 (com texto revisado pela segunda vez em 1989), traz vários dispositivos sobre Direitos Sociais. O direito à saúde se encontra no art. 64 que dispõe:



“(Saúde) .................................................................................................

1 . Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover.

2 . O direito à proteção da saúde é realizado:



a) através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições econômicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;

b) pela criação de condições econômicas, sociais e culturais que garantem a proteção da infância, da juventude e da velhice e pela melhoria sistemática de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo.



3 – Para assegurar o direito à proteção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:



a) garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente de sua condição econômica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;

b) garantir uma racional e eficiente cobertura médica e hospitalar de todo o país;

c) orientar a sua ação para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos;

d) disciplinar e controlar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde;

e) disciplinar e controlar a produção e comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico.



4 . O serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada.”86



As revisões constitucionais ocorridas nessa Constituição tiveram um caráter liberalizante, que reduziu o caráter socializante de alguns dispositivos. Dessa forma, o antigo item 2 do art. 64 dispunha sobre um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito. A atual redação, após as revisões, refere-se a serviço nacional de saúde, “tendencialmente gratuito”.

“A Constituição não toma posição quanto ao modelo do serviço nacional de saúde a adaptar pelo legislador ordinário. Nem exclui que, a par da medicina que se exerça no seu quadro, coexistam (e continuem a existir) formas privadas e/ou empresariais do seu exercício.”87 Há, entretanto, dois condicionantes: a orientação da sua ação para a socialização dos custos88 dos cuidados médicos e medicamentosos, e a disciplina e o controle das formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde.

O texto constitucional norte-americano, como exemplo de texto liberal, embora a Constituição não seja mais liberal, não contém dispositivos sobre direitos sociais.

Como exemplo de Constituição socialista, podemos citar a Constituição da República de Cuba, onde há uma ênfase aos direitos sociais e total gratuidade dos serviços de saúde e educação. O seu art. 49 dispõe:



“Todos têm direito a que se atenda e proteja sua saúde. O Estado garante este direito:



– com a prestação da assistência médica de instalação de serviços médico rural, das policlínicas, hospitais, centros profiláticos e de tratamento especializado;

– com a prestação de assistência odontológica gratuita;

– com o desenvolvimento dos planos de divulgação sanitária e de educação para a saúde, exames médicos periódicos, vacinação geral e outras medidas preventivas de enfermidades. Nesses planos e atividades coopera toda a população através das organizações, sociais e de massas.”89

Há uma referência mais abrangente do direito à saúde, com referência à medicina curativa e preventiva, envolvendo o saneamento básico, a divulgação sanitária e a educação para a saúde. Outros dispositivos constitucionais vêm complementar o direito à saúde, especialmente o art. 48, que garante o direito à proteção, segurança e higiene do trabalho, com a adoção das medidas preventivas de acidentes e enfermidades profissionais.



Bibliografia:



83 BALERA, Wagner. A seguridade social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 74.

84 BALERA, Wagner. A seguridade social na Constituição de 1988, cit., p. 77.

85 PECES-BARBA, Gregório. La Constitución española de 1978 – Un estudio de derecho e política. Valencia: Fernando Torres, 1984, p. 40.

86 CONSTITUIÇÃO da República Portuguesa. 2. rev., 1985. Lisboa: Sociedade Editora, 1989, p. 47-48.

87 MORAIS, Isaltino, ALMEIDA, José Mário F. de e PINTO, Ricardo L. Leite. Constituição da República Portuguesa; anotada e comentada. Lisboa, 1983, p. 133.

88 O texto anterior a revisão de 1989 falava em socialização da medicina e dos setores medico-medicamentosos, e não apenas em socialização dos custos.

89 PEREIRA, Osny Duarte. Constituição de Cuba – Como é e como funciona. Rio de Janeiro: Revan, 1986, p. 59.

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