segunda-feira, 6 de junho de 2011

435- Federalismo - Livro - 6 - Classificação

1.3.4. Federalismo de duas ou de três esferas


José Luiz Quadros de Magalhães

Tatiana Ribeiro de Souza



A partir da Constituição de 1988, os municípios brasileiros não só mantém sua autonomia como conquistam a posição de ente federado, podendo, portanto, elaborar suas Constituições municipais (chamadas pela Constituição Federal de leis orgânicas), auto-organizando os seus poderes executivo e legislativo e promulgando sua Constituição sem que seja possível ou permitida a intervenção do legislativo estadual ou federal para a respectiva aprovação. O que ocorrerá com as Constituições municipais (leis orgânicas) será apenas o controle a posteriori de constitucionalidade o mesmo que ocorre com os Estados membros.

Alguns autores têm rejeitado a idéia do município como ente federado, por ser uma idéia nova, mas seus argumentos (ausência de representação no Senado, impossibilidade de falar-se em União histórica de municípios, ausência de poder judiciário no município) são frágeis ou inconsistentes diante da característica essencial do federalismo, que difere esta forma de Estado de outras formas descentralizadas, que é a existência de um poder constituinte decorrente ou de competências legislativas constitucionais nos entes federados. Apenas no Estado Federal ocorre a descentralização de competências constitucionais.

Quanto à existência de um processo histórico de união, esta não existiu no Brasil, assim como em vários Estados federais pelo mundo. A formação de nosso Estado Federal ocorreu de forma fictícia, onde ocorre uma União constitucionalmente construída a partir de 1891, mas sem a existência de um processo histórico de união do que estava separado, uma vez que o Brasil já nasce unido, tendo a nossa primeira Constituição de 1824, estabelecido um Estado unitário.

O argumento da negação do município como ente federado fundado em idéia de inexistência de representação dos municípios no Senado não procede. Existem Estados federais não bicamerais (a Venezuela é unicameral), assim como ocorre o bicameralismo em Estados unitários (França), regional (Itália), autonômico (Espanha), sendo que, no caso brasileiro, o nosso Senado não é apenas uma casa de representação dos Estados, mas cumpre também uma função revisora e conservadora, caracterizada pela duração do mandato e forma de renovação de suas cadeiras.



1.3.5. Federalismo Simétrico ou Assimétrico



O Federalismo simétrico busca o equilíbrio de um Estado Federal de fato assimétrico, onde os entes federados de mesmo nível (municípios entre si e estados membros entre si) têm as mesmas competências e se for o caso, o mesmo numero de representantes no Senado. Digo, se for o caso, pelo fato dos municípios, embora sendo entes federados, não tem representantes no Senado, mas tem entre si, as mesmas competências legislativas ordinárias, administrativas e constitucionais.

O federalismo assimétrico ocorre em Estados complexos que convivem com uma diversidade lingüística e étnica de especial complexidade histórica, como ocorre com o Canadá onde pessoas de cultura e idioma francês convivem com pessoas de cultura e idioma inglês, ou a Bélgica que dispõe de um Senado para representação das comunidades lingüísticas neerlandesa (flamenga); francesa e uma minoria alemã. Pela existência destas comunidades distintas que guardam muitas vezes rivalidades antigas, o Senado apresenta uma assimetria que procura responder ao peso populacional de cada comunidade, assim como o peso econômico algumas vezes. Portanto no federalismo assimétrico há um tratamento diferenciado em relação aos entes federados de mesmo nível que procuram acomodar diversidades étnico-culturais e ou econômicas.

No Brasil, embora convivamos com assimetrias reais que vão desde uma cultura rica e diversa até realidades econômicas muito diferentes, adotamos um federalismo simétrico do ponto de vista constitucional. Entretanto este nosso federalismo simétrico precisa ser aperfeiçoado.

Um problema já algum tempo detectado, e sempre denunciado, é o deficit de representação dos eleitores do sul e sudeste, devido aos números mínimo (oito) e máximo (setenta) de deputados federais por Estados, proporção na qual não cabe a diferença entre os Estados menos populosos e com menor eleitorado e os mais populosos e logo com maior eleitorado. Devemos lembrar que a representação dos Estados é feita no Senado enquanto a representação do povo ocorre na Câmara de Deputados. Logo é ao Senado que se impõe a lógica federal, no nosso caso de um federalismo simétrico, onde cada ente federado no mesmo nível tem as mesmas competências e representação no Senado.

Partindo desta premissa, podemos então compreender, que no nosso federalismo bicameral (existem Estados federais unicamerais como a Venezuela) não é necessário que os distritos eleitorais para fim de vinculação de votos de representantes e representados, sejam coincidentes com o território do Estado Membro, uma vez que os Deputados são representantes do povo enquanto os Senadores representantes dos Estados membros. Logo podem ser criados mais distritos eleitorais dentro do território da União que não necessariamente devam limitar-se ao território dos Estados, mas podendo inclusive ocorrer um distrito com identidade sócio-econômica e cultural que reúna parte do território de dois ou mais Estados. Assim poderíamos, por exemplo, ter 100 ou mais distritos, onde em cada um ocorreria uma eleição proporcional, como ocorre hoje, entretanto, não coincidente com o território dos Estados membros. Esta pode ser uma solução para o sério déficit representativo dos Estados membro do sul e sudeste em relação aos estados do norte e nordeste.

Outra solução é eliminar o numero mínimo e máximo de deputados por Estado por meio de uma emenda constitucional supressiva. Este é um grave problema pois ofende princípio constitucional fundamental da soberania popular e da igualdade jurídica. O voto de um cidadão não poder valer mais do que o de outro. Isto é inconstitucional e ocorre com a aplicação do artigo 45 § 1º da Constituição Federal, entulho herdado da ditadura militar. Entretanto a eliminação deste artigo não bastaria mas necessário também seria a modificação da Lei Complementar n. 78 de 30 de Dezembro de 1993 que estabelece em seu artigo primeiro o número máximo de deputados federais em 513. Do ponto de vista prático esta solução pode não ser possível uma vez não encontraria apoio na opinião pública um aumento no número de deputados federais. Outros aspectos da democracia representativa como a remuneração dos parlamentares e a limitação do numero de reeleições neste caso, também precisam ser debatidas com a sociedade civil. Outro argumento poderia ser levantado em nome dos Estados que perderiam em numero de representantes com esta medida: que os estados menos populosos perderiam com isto muita força no Congresso nacional. Esta questão, entretanto, é facilmente resolvida com a especialização do Senado e da Câmara, exigência para fazer com que o Senado cumpra efetivamente sua função de casa de representação dos Estados membro da federação.

O fato do Senado não funcionar efetivamente como Casa de representação dos Estados e sim como Casa essencialmente conservadora é um problema que deve ser enfrentado. A característica conservadora, que também caracteriza históricamente a função do senado, é caracterizada pela sua competência, a mesma da Câmara, e pelo mandato e forma de renovação dos seus membros, oito anos e renovação de 1/3 e 2/3 de quatro em quatro anos, o que significa que sempre haverá uma importante parcela da tendência eleitoral de quatro anos atrás, na nova legislatura, que pode ter, o que é comum em uma democracia madura, uma composição ideológicamente diferente da anterior.

O Senado, por sua característica conservadora, não pode ter, nunca, a mesma competência da Câmara. Em alguns sistemas bicamerais o Senado detêm apenas um poder de veto, tendo a Câmara a última palavra, em outros sistemas, todas as matérias tem obrigatoriamente início na Câmara, tendo a última palavra, mesmo o Senado participando ativamente do processo legislativo apresentando emendas.

O Senado na nossa federação, para cumprir a sua função de casa de representação dos Estados poderia ter, com as observações acima mencionadas, as seguintes competências:

1- Participar do processo legislativo apenas em matérias de interesse dos Estados membros, sendo as outras matérias votadas apenas pela Câmara ou então em sessão unicameral;

2- Participar com poder de veto de todo processo legislativo, tendo, entretanto, competência para iniciar o processo legislativo apenas em matéria de interesses dos Estados membros, sendo que neste caso teria sempre a ultima palavra;

3- Na hipótese de um Senado mais forte, para fortalecer os Estados mais fracos (do ponto de vista econômico e populacional), as matérias de interesse dos Estados membros (enumeradas constitucionalmente) devem começar e terminar no Senado, enquanto as outras matérias devem começar e terminar na Câmara, sendo possível, em todos os casos, a apresentação de emendas da Casa legislativa com função revisora.

Estas são algumas das hipóteses que podem resolver os equívocos causados pela incorreta interpretação da Constituição, uma vez que tem se aplicado regras em detrimento dos princípios constitucionais da igualdade, do sufrágio universal e da soberania popular, o que é comprometido pela regra mencionada do mínimo e máximo de representantes por Estados na Câmara, e o mais grave, pelo fato do Senado ter a mesma competência da Câmara, podendo iniciar o processo legislativo em assuntos que não são de interesse específico dos Estados membros, podendo, portanto, ter a última palavra em matéria que não seja de interesse especial dos Estados Membros, ou no sentido inverso, permitindo que a Câmara inicie e finalize o processo em assuntos de interesse especial dos Estados membros anulando com isto a simetria entre os Estados, buscada pela Constituição.



1.3.6. Federalismo de Concorrência e de Cooperação



O federalismo brasileiro nasceu sob forte influência do federalismo norte-americano apresentando na Constituição de 1891 uma característica de federalismo dual. O federalismo dual é marcado pela separação de competências dos entes federados, onde o compartilhamento de competências é evitado. Desta forma as competências são claramente distribuídas, prevalecendo as competências privativas ou exclusivas de cada ente federado sobre competências compartilhadas ou concorrentes muito comum no federalismo brasileiro posterior.

A lógica dual não durou muito tempo. A Constituição de 1934, não efetivada na realidade social do Brasil de então, apresenta um federalismo compartilhado, onde diversas competências dos entes federados (Estados e União) são exercidas simultaneamente pelos Estados e pela União.

Após a Constituição de 1988 vivemos uma nova realidade constitucional onde o fortalecimento dos entes federados permitiu que o federalismo cooperativo fosse substituído, não por um federalismo dual, mas por um prejudicial federalismo de concorrência. O interessante deste momento é o fato de que a Constituição de 1988 mantém grande parte das competências legislativas e administrativas exercidas de forma compartilhada por meio de competências administrativas comuns e competências legislativas concorrentes. Pela simples leitura dos artigos 21 a 24 da Constituição Federal percebemos que, especialmente nas competências legislativas, temos um federalismo invertido, de cabeça para baixo, onde a União é extremamente forte e os entes federados esvaziados. Entretanto, apesar da má distribuição de competências legislativas, é permitida uma autonomia tributaria que leva a uma guerra de alíquotas que serve para empobrecer o país e destruir as bases sindicais garantidoras de direitos sociais duramente conquistados.

Em outras palavras, tivemos o pior da autonomia e perdemos o melhor. Os entes federados (Estados membros e Municípios) passam a concorrer no oferecimento de melhores condições tributarias para investimento, o que significa muitas vezes piores condições de vida para as pessoas, sem, entretanto, conquistar competências legislativas importantes, trazendo o debate legislativo de questões do dia a dia da vida dos cidadãos para perto da influência da sociedade civil, organizada ou não.

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