sábado, 11 de junho de 2011

452- Boas relações são construídas - Coluna da professora Delze dos Santos Laureano

Boas relações são construídas.

Delze dos Santos Laureano(1)

Hoje me lembrei de um filme: Parente é Serpente, do diretor Mário Monicelli, 1992. A sinopse é a seguinte: “Durante a tradicionalíssima festa de Natal da família Colapietro, a alegria é interrompida quando a matriarca declara que ela e seu marido estão muito velhos para ficarem sozinhos naquela enorme casa. Comunica, então, uma decisão irrevogável: vai pôr a casa à venda e morar com um dos filhos. Mas, é claro, nenhum deles quer dar abrigo aos pais, e o que era para ser apenas mais uma ceia de Natal acaba se tornando uma grande confusão, de conseqüências tragicômicas.”

Realmente às vezes dá vontade que família seja apenas retrato em cima da lareira. Mas será que esse problema é sempre com a nossa família? Acredito que não. Vejo como são difíceis as relações interpessoais. Freud tentou explicar: é o mal estar na civilização. De todas as dores a dor que mais dói é aquela causada pelo outro. Os ressentimentos ficam martelando, atazanando a nossa vida. Não conseguindo mudar tudo o que está ruim de uma só vez, o que podemos fazer é desencadear um processo novo capaz de mudar com o tempo aquela aura ruim que paira sobre as nossas cabeças. Ou seja, a velha receita: sair do círculo vicioso e entrar no círculo virtuoso.

O filme me veio, ao convidar, por telefone, uma pessoa não muito próxima para uma festa. Em lágrimas, ela aproveitou a oportunidade para me contar os problemas que está vivendo em família. Agradeceu o convite, mas disse que não conseguiria sair de casa. Contou-me que há algum tempo seu filho não fala mais com ela e que com esse rompimento outros problemas surgiram. Não está mais convivendo bem com o marido e nos finais de semana para ter um pouco de serenidade faz uso de medicamentos. Falou-me ainda do esforço que tem feito para manter os filhos nas escolas e a administração da pequena empresa que contribui para a renda familiar. Sente-se profundamente incompreendida.

Ouvi comovida e tive vontade de receitar para toda aquela família um remédio que o meu amigo terapeuta (de mentirinha) um dia me contou. Um mago foi procurado por uma jovem senhora que pedia a ele um veneno para matar a sogra, mas de forma que ninguém ficasse sabendo. É que, sendo o marido filho único, a sogra viúva tinha ido morar com eles. Ela afirmava odiar e ser odiada pela sogra e temendo que ela pudesse ainda viver muito tempo, destruindo o seu casamento, resolvera por fim àquela situação. O mago preparou a porção de veneno que consumiria a vida da sogra lentamente e sem deixar vestígios. Contudo recomendou: “Esse veneno só faz efeito se você ao tempo que adicioná-lo na comida da sua sogra tratá-la muito bem”. Deve preparar a comida para ela com carinho, sentar-se à mesa com ela para tomar as refeições, procurar passear com ela em lugares agradáveis, pedir a ela alguns favores, assim ninguém desconfiará e ela tomará toda a dose necessária para morrer.

Passados alguns dias a nora começou a ficar extremamente apreensiva sentindo que ao contrário do que pensava a sogra gostava dela e ambas sentiam prazer com a companhia da outra. Começou a ver na sogra uma amiga e mãe. Arrependida, foi novamente ao mago e, desesperada, pede a ele um antídoto para impedir que a sogra morresse envenenada, pois não poderia mais ser feliz sentindo-se culpada pela morte de uma pessoa tão boa. Então o mago lhe diz: “Não precisa antídoto. Eu não fiz veneno nenhum, apenas fiz você ver, pela sua própria experiência, que somente convivendo e tratando bem as pessoas é que elas nos amam e nos tratam bem.”

Preciso contar essa estória da carochinha para a pessoa que está angustiada achando que não é amada pela família. Devo contá-la também para quem não consegue perdoar os erros de parentes ou amigos e os pune com indiferença, chamando para si mais indiferença. Preciso colar essa mensagem na cabeceira da minha cama e ler todos os dias para me lembrar que relações boas são construídas, um pouquinho, todos os dias, seja na nossa casa, seja na nossa vida.


Nova Lima, MG, Brasil, 10 de junho de 2011.

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Advogada e professora universitária, mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da UFMG, doutoranda em Direito Internacional em Direitos Humanos pela PUC-MINAS, Integrante da RENAP – Rede Nacional de Advogados Populares; e-mail: delzesantos@hotmail.com – Blog www.delzesantoslaureano.blogspot.com

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