sábado, 11 de junho de 2011

455- Indices alarmantes de criminalidade - Coluna do professor Virgilio de Mattos

“ÍNDICES ALARMANTES DE CRIMINALIDADE”


Notícias do Uruguay - II

Virgílio de Mattos(1)

A monotemática notícia é manchete de um grande jornal da direita, para nosso desconforto um vizinho a quem tínhamos o desprazer de ver na saída e no retorno de onde estávamos hospedados, e que reproduz a pauta da direita em toda a América Latina, nuestra America: instilar e instalar o medo e o terror na população para que creia que os índices de criminalidade tiveram um “espetacular” – e uma série de outros adjetivos semelhantes – aumento nos últimos anos em que governos de esquerda pululam desde a Venezuela até a Patagônia, inclusive.

Eu ri quando vi, obviamente que de nervoso, e mostrei à Laura.

Nada mais falso, exceto uma nota de 3 pesos ou reais, dólares ou euros.

Enquanto os índices absolutos de crimes, violentos ou não, diminui, o discurso de aumento da repressão aumenta inacreditavelmente.

A mesma pauta imbecil de sempre e por toda parte: redução da maioridade penal, controle dos espaços públicos, repressão aos movimentos de organização populares, criminalização das lideranças, precarização dos postos de emprego e trabalho, redução dos direitos mínimos, etc.

No Uruguay os acidentes de trânsito e suicídios matam mais do que homicídios e roubos(2), embora tenham pouco apelo midiático, para não dizer cobertura histérica da mídia com a qual estamos mais acostumados no Brasil e na Argentina. Ali produz exatamente o efeito que querem os donos dos meios de comunicação: medo.

O que faz refletir é que haja uma população prisional de pouco mais de 9 mil presos, com um percentual bem menor de mulheres do que aqui, sobre uma população de um pouquinho mais de 3 milhões de habitantes. Não gosto de fazer o cálculo de preso por 100 mil habitantes. Isso é conversa de quem acredita que alguém pode ser dividido em menos de um.

Não é verdade que haja “índices alarmantes de criminalidade” no Uruguay. Os padrões são da comarca de São Lourenço,MG, da década de 1950!

Pode-se sair à noite, tranquila e calmamente, pelo centro da cidade, embora sejamos orientados a evitar a zona portuária e a cidade velha depois das 22 horas. Aliás, em que cidade do Planeta Terra se recomenda andar despreocupadamente na zona portuária após as 22 horas?

O câmbio é organizadamente feito em lojas comuns que funcionam até de noite aos sábados e domingos. Nada de parafernália de vigilância ostensiva.

Não vi um punguista, embora tivesse sido alertado que “hay muchos chorros”. Sim, é verdade, vi um deputado da direita na TV. Mas pareceu-me educadíssimo perto dos nossos nativos.

Vi alguns moradores de rua pelo centro. Para ser mais sincero com você, como diz o Jorginho Jardineiro, meu sócio, eram quatro. O Zarolho. O Que Andava Sob Cobertores. O Sósia do “Yo soy El Caballero de París”, que viveu em La Habana, e uma mulher jovem e magrinha. O Sósia do “Yo Soy El Caballero de París” não me pediu nada em momento algum. Foi o único.

No domingo encontrei lendo um livro na Praça do Obelisco um senhor digno, de pouco menos do que a minha idade, com seu carrinho de supermercado e utensílios para o frio impecavelmente arrumados. El também não me pediu nada. Cumprimentamo-nos com um aceno de cabeça. E fui eu que fiquei tentado a dar-lhe alguma coisa, para o frio no más.

Até ele sabe que o perigoso é o turista, o extraneus, o hostis. O cara que vai até lá para jogar nos cassinos, ou o estelionatário eletrônico e por cartão de crédito, ambos Made in Brazil, que intentam seus patéticos golpes. Talvez não tenha medo porque sabe ler e lê, não fica mirando a TV como um videota, como há tantos por aqui.

Volto com um contrato novo para os alunos de direito civil: o de confiança. E também com justiça popular. Não há justiça? Escrache popular. Uma beleza!

_______________________________________________

1- Do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade. Do Fórum Mineiro de Saúde Mental. Autor de Crime e Psiquiatria – Preliminares para a Desconstrução das Medidas de Segurança, A visibilidade do Invisível e De uniforme diferente – o livro das agentes, dentre outros. Advogado criminalista. virgilio@portugalemattos.com.br

2- Artículo 344. (Rapiña) El que, con violencias o amenazas, se apoderare de cosa mueble, sustrayéndosela a su tenedor, para aprovecharse o hacer que otro se aproveche de ella, será castigado con cuatro a dieciséis años de penitenciaría

Nenhum comentário:

Postar um comentário