terça-feira, 14 de junho de 2011

465- Federalismo - Livro - 16 - Poder decorrente - poder municipal

2.2.2. Poder Decorrente
José Luiz Quadros de Magalhães
Tatiana Ribeiro de Souza

Outro aspecto referente à amplitude do Poder Constituinte diz respeito ao Poder Constituinte Decorrente, ou seja, o poder constituinte dos entes federados, no nosso caso, Estados-Membros e municípios. Já estudamos no nosso livro Direito Constitucional, Tomo II, as características principais do Estado federal. Deixamos claro que o que difere o Estado federal de outras formas descentralizadas de organização territorial do Estado contemporâneo é a existência de um poder constituinte decorrente, ou seja, a descentralização de competências legislativas constitucionais, em que o ente federado elabora sua própria Constituição e a promulga, sem que seja possível ou necessário a intervenção ou a aprovação desta Constituição por outra esfera de poder federal. A inexistência de hierarquia entre os entes federados (União, Estado e municípios no caso brasileiro) caracteriza a essência da federação, pois cada uma das esferas de poder federal nos três níveis brasileiros participa da soberania, ou seja, detém parcelas de soberania, expressas nas suas competências legislativas constitucionais, ou seja, no exercício do poder constituinte decorrente.
Não estamos afirmando que os Estados-Membros, a União e os municípios são soberanos, pois soberano é o Estado federal e a expressão unitária da soberania, ou seja, sua manifestação integral, só ocorre no poder constituinte originário. O que afirmamos é que no Estado federal, além da repartição de competências legislativas ordinárias, administrativas e jurisdicionais, há também – e isso só ocorre no Estado Federal – a repartição de competências legislativas constitucionais. Essa repartição de competências constitucionais implica a participação dos entes federados na soberania do Estado, que se fragmenta nas suas manifestações.
Entretanto, esse poder constituinte decorrente, embora represente a manifestação de parcela de soberania, não é soberano, por esse motivo deve ser um poder com limites jurídicos bem claros, que podem ser materiais, formais, temporais e circunstanciais. A Constituição de 1988 estabelece limites materiais expressos e obviamente implícitos, deixando para o poder constituinte decorrente, que é temporário (assim como o originário), prever o seu funcionamento e o funcionamento do seu próprio poder de reforma e seus limites formais, materiais, circunstanciais e temporais. O poder constituinte decorrente é de segundo grau (se dos Estados-Membros) e de terceiro grau (se dos municípios), subordinados à vontade do poder constituinte originário, expressa na Constituição Federal. A repartição de competências no nosso Estado federal ocorre da seguinte forma:

•   O Estado federal é composto de três círculos não hierarquizados: União, Estados-Membros e Distrito Federal e os Municípios.
•   A Constituição Federal é a manifestação integral da soberania do Estado Federal.
•   A União detém competências legislativas ordinárias, administrativas, jurisdicionais e o poder constituinte derivado de reforma por meio de emendas e revisão à Constituição do Estado Federal, por intermédio do Legislativo da União.
•   Os Estados-Membros detêm competências legislativas ordinárias, jurisdicionais, administrativas e o poder constituinte decorrente de elaborar suas próprias constituições, além é claro, do poder de reforma de suas constituições.
•   Os municípios detêm competências legislativas ordinárias, admi­nistrativas (não detêm competências jurisdicionais) e competências legislativas constitucionais, ou seja, o poder constituinte decorrente de elaborar suas Constituições (chamadas de leis orgânicas) e ló­gico o poder derivado de reforma de suas Constituições.
•   O Distrito Federal também se tornou ente federado a partir de 1988, mas com características diferenciadas. Detém competências legislativas ordinárias e administrativas, que podem ser organizadas pelo seu poder constituinte decorrente (competência legislativa constitucional própria), e possui o seu próprio Judiciá­rio e Ministério Público que, entretanto, não poderão ser organizados por sua constituinte decorrente, mas serão organizados pela União para o Distrito Federal, por razão de segurança nacional. Detém, também, é claro, o poder de reformar sua Constituição (chamada também de Lei Orgânica), o que não muda a sua natureza de poder constituinte decorrente, portanto, de Constituição.

Quanto aos limites do poder constituinte decorrente,  estes são encontrados em vários momentos na Constituição Federal e são limites materiais expressos e implícitos. Os limites expressos ocorrem sempre que a Constituição distribui competências e normatiza condutas dos entes federados. Quanto aos limites implícitos, esses são os princípios estruturantes e fundamentais da República que se impõem a todos os entes federados, como a democracia, a separação de poderes, os direitos humanos, a redução das desigualdades sociais e regionais, a dignidade humana, dentre outros.
Alguns entendem que a Constituição Federal deve ser quase que copiada pelos entes federados, o que no nosso entendimento é antifederal. Se a Constituição federal, expressamente, não mencionou mandamentos aos entes federados, estão livres os constituintes dos Estados e municípios para disporem sobre suas competências livremente, desde que respeitados os princípios que estruturam e fundamentam a ordem constitucional federal. Por exemplo, se a Constituição Federal prevê o quorum de três quintos em dois turnos para emenda à Constituição Federal como norma regulamentadora do funcionamento do poder constituinte derivado federal, nada impede que o Estado-Membro ou o Município estabeleçam quorum diferente, desde que respeitados o princípio da rigidez constitucional que caracteriza sua supremacia em relação às leis ordinárias e complementares e o princípio da separação de poderes.

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