sexta-feira, 5 de agosto de 2011

612- Acelerando até o fim - Coluna do professor José Luiz Quadros de Magalhães

Acelerando até o fim.

José Luiz Quadros de Magalhães

            Uma metáfora[i]: As vezes imagino a sociedade de consumo do pós-guerra, especialmente nos últimos 30 anos neoliberais (a sociedade do gozo) como uma Ferrari, linda, amarela (amarelo desespero pois não dá pra ser vermelho, a cor da esperança – e não há esperança na sociedade do ultra consumo e da competição) acelerando a quinhentos quilômetros por hora, por uma bela estrada reta que termina em uma ponte destruída logo a 40 quilômetros à frente. Dentro da Ferrari gigante estamos todos nós, muitos sorridentes, curtindo aquela experiência única; alguns tentando desacelerar para descer do carro e brincar de outra coisa; alguns chamando a atenção para o caminho errado e que levará de forma inevitável ao fim; e outros dormindo, um sono profundo, sonhando com a própria Ferrari. Muitos já foram deixados pelo caminho. Não puderam embarcar. Muitos mesmo! Não se pode dizer que estes muitos que não embarcaram tiveram sorte, pois a estrada fica em um deserto (pode ser Atacama, o mais seco do mundo) e não têm água, comida e abrigo para sobreviverem no sol escaldante ou no frio da noite.
            Uma boa metáfora é um bom instrumento para enxergarmos o absurdo. Queria recomendar a leitura de um grande mestre da metáfora. O escritor suíço Friedrich Dürrenmatt (“ah eu com um nome desses!”). Em uma das três história de seu livro “A pane; O túnel; O cão”, distraídos suíços embarcam em um trem que após algum tempo de viagem entra em um túnel. Ora, os túneis são comuns na Suíça. São muitas e belas as montanhas. Entretanto, o túnel que deveria ser passado em poucos minutos não termina. Vão passando os minutos e o personagem principal fica cada vez mais preocupado. Passam-se muitos minutos e apenas o personagem principal fica preocupado. As outras pessoas permanecem fazendo o que estavam fazendo, não percebendo nada. Até o maquinista, estranhando um pouco, nada faz para mudar a situação (podia frear, por exemplo). Mas ao contrário acelera.
            Porque a maioria das pessoas ainda não percebeu? Porque alguns trens continuam acelerando sabendo que o túnel já deveria ter acabado há muito tempo.
            Ideologia!


[i] Figura de linguagem que consiste em transpor o significado de um termo (ou enunciado) para outro termo ( ou enunciado) em virtude de uma analogia ou de uma comparação subentendida (ex.: lábios de rubi, que pressupõe a comparação lábios vermelhos como rubi). (Dicionário Enciclopédico Ilustrado Larousse, São Paulo, Larousse do Brasil, 2007.


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