quinta-feira, 18 de agosto de 2011

650- Multiculturalismo, economia e revoltas na Inglaterra - Coluna do professor Alexandre Bahia


Multiculturalismo, Economia e Revoltas na Inglaterra
Por Alexandre Bahia
A Inglaterra tem vivido “dias de fúria” nessas últimas semanas. O estopim foi a morte de um jovem negro pela polícia. A partir daí se iniciaram protestos, a princípio pacíficos, mas que logo se tornaram violentos.
Mas não ficou por aí. As revoltas começaram a se espalhar por outras regiões de Londres e de cidades vizinhas. A escalada de violência tem assustado o povo inglês e o Primeiro-Ministro, que estava de férias, voltou rapidamente e iniciou medidas de contenção das revoltas – algumas de duvidosa constitucionalidade, considerando a história constitucional inglesa, de mais de 800 anos de relativa estabilidade e lineariedade. Por exemplo, o Primeiro-Ministro veio a público “desqualificar” os protestos como “criminalidade, pura e simplesmente”.
Vários têm se debruçado sobre o fenômeno. E uma das questões que têm sido levantadas relaciona as revoltas com a crise econômica pela qual passa a Europa. Outros ainda adicional o componente da aposta no multiculturalismo que países como Inglaterra e França fizeram durante o século XX.
Também a França vem enfrentando cenários desse tipo ao longo dos últimos anos e os “personagens” são basicamente os mesmos: jovens, de bairros de periferia, “esquecidos” pelos Poder Público, que, diante da incerteza do futuro e da incapacidade (?) do Estado de lhes mostrar um “norte”, reagem de forma violenta.
O exemplo desses países é particularmente interessante para países como o Brasil em vários aspectos. Estamos falando, principalmente no caso da Inglaterra, de um país que, como poucos, construiu no século XX um aparato de “proteção social”, nas áreas de saúde, educação, trabalho e previdência social, que permitiu aos “pais e avós” dos atuais cidadãos ingleses um futuro certo e previamente planejado pelo Estado. Um futuro no qual incertezas e crises seriam rapidamente debeladas pelo “Estado-Providência”. Bom, isso acabou. Pelo menos na pujança que havia até os anos 1970. Após a crise do Estado de Bem-Estar e a marca neo-liberal do Governo Thatcher, houve um encolhimento do Estado. Contudo, enquanto a economia ia bem, a situação parecia sob controle. O problema é que a economia neo-liberal também não conseguiu manter o nível de crescimento prometido e vem mergulhando o mundo em uma sucessão de crises cuja gravidade ainda não se pôde medir.
Some-se a isso o incentivo à imigração que havia tanto a Inglaterra quanto a França. Os imigrantes, de um lado, serviam como mão de obra para trabalhos que os cidadãos originais não se interessavam – e, num cenário de crescimento econômico, as oportunidades de avolumavam – e, de outro lado, estas pessoas simbolizavam o sonho da Europa pós-nazismo da possibilidade de construção de sociedades multiculturais, multiétnicas e multirreligiosas e esses elementos serem tidos como algo negativo mas, justamente, como um dos motores da democracia e do desenvolvimento dos direitos humanos.
A crise econômica, num cenário de Estado “enfraquecido” pelo neo-liberalismo, pouco capaz de contornar as crises e “proteger” seus cidadãos, se refletiu sobre o “diferente”. Começaram reações de cidadãos “originais” contra os “novos cidadãos”. E esse descontentamento e animosidade por si já bastariam para gerar atos de violência; mas a questão se tornou pior quando o Estado passou a encampar essa insatisfação, por exemplo, na França criou a lei que proíbe o uso do véu pelas muçulmanas – na Inglaterra há um Projeto no mesmo sentido.
Bom, as soluções para esta crise específica não devem ser dadas sem que se considerem suas causas. Colocar mais policiais nas ruas, aumentar a violência/repressão estatal não irá resolver as razões mais profundas da crise. Mais uma vez, a solução de um mercado totalmente livre se mostra problemática e caótica. A Democracia inglesa (quase milenar) deve, como tradicionalmente fez no passado, “descobrir” em sua memória, resgatar os direitos fundamentais dos seus cidadãos – novos e velhos – e repensar no papel do Estado diante das incertezas e interesses (normalmente pouco democráticos) do mercado.

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