sexta-feira, 18 de novembro de 2011

823- Cinema - clássicos sobre a servidão humana

A SERVIDÃO HUMANA AO CUBO

Por José Luiz Quadros de Magalhães


Três filmes fabulosos cuidam do tema. A questão colocada no filme “A servidão humana” (Of human bondage), produzido em 1964 com maestria por Ken Hugles aparece em outros filmes excelentes, complementando a reflexão sobre o sentimento descontrolado, uma mistura de fetiche, tesão e vicio que faz com que pessoas se submetam a um amor sem limites, construídos sobre a submissão à situações que contrariam o senso comum majoritário sobre o que seria uma relação amorosa entre duas pessoas. Será que efetivamente as relações amorosas se conformam aos ditames do senso comum moral vigente em uma sociedade? As fantasias, necessárias para a vida, e logo, muito especialmente para a vida sexual e também a vida amorosa, são construídas sobre a infração à lei: as fantasias não reveladas, e mesmo as reveladas são construídas sobre a violação da norma. Algo de “perverso” é revelado nestes filmes: uma sexualidade perversa (se é que toda sexualidade não é no fundo perversa) uma vez que buscam prazer não em uma atividade específica mas no “ganho de prazer” ligado a atividades ou funções que dependem de outras funções.[1]
            No filme “A servidão humana” é contada a história de um homem marcado por um defeito físico (no pé) que faz com que seja discriminado e exposto por sua imperfeição. Discriminado quando criança na escola e rejeitado na atividade que inicialmente escolheu (a de pintor) na escola de artes, o nosso personagem vai estudar medicina, onde sua imperfeição é sempre lembrada. É neste período, durante o seu curso de medicina que descobre sua grande fixação sexual. Não é o seu amor, é o seu prazer descoberto na submissão, rejeição que a garçonete Mildred lhe impõe. Mildred não é seu amor (romântico), Mildred é seu prazer mais profundo, do qual passa a depender.
            Um segundo filme, conta uma  história semelhante: “A Cadela” (La Chienne) do fabuloso Jean Renoir. Maurice Legrand, um homem simples e tímido, casado com uma megera, encontra em Lulu, o grande prazer de sua vida. Michel se apaixona loucamente por Lulu, que ama outra pessoa (um gigolô). Lulu ridiculariza e explora Michel. Daí vem a fixação e o prazer desmedido de Michel. A mulher que ele pensa amar o submete. O filme foi produzido me 1931 na França e pode ser encontrado em DVD pela coleção “Cultclassic” (www.cultclassic.com.br).
            Finalmente o terceiro filme, também, sensacional: “Betty Blue”, filme de Jean-Jacques Beineix, produzido na França em 1986, conta o amor (paixão, dependência, fixação) desmedido do doce e submisso Zorg, (personagem encantador, ao mesmo tempo livre e corajoso e em outros momentos, estrategicamente, submisso e conformado) pela alucinante Betty. Betty é companheira, amiga, amante, fiel, diferente das outras personagens dos dois filmes anteriores. Betty domina totalmente Zorg (que quer ser dominado) que faz tudo por ela, inclusive deixar sua postura submissa e conformada para conseguir o que for necessário para agradar Betty. Betty, entretanto, sofre com o seu descontrole diante da frustração. A não possibilidade de controle do seu mundo leva ao seu total descontrole. O espírito livre sucumbe à química de seu corpo e a sua história não revelada no filme. Imperdível.
            Boa viagem.


[1] Laplanche, Jean. Vocabulário da Psicanálise/Laplanche e Pontalis; sob a direção de Daniel Lagache; (tradução) Pedro Tamen, São Paulo, Editora Martins Fontes, 1992.





 Acima, fotos do filme de Jean Renoir


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