segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

1005- Descobertos 150 novos casos de possíveis vítimas da ditadura de Pinochet

Direitos Humanos| 11/01/2012 | Copyleft

Descobertos 150 novos casos de possíveis vítimas da ditadura de Pinochet

No Chile, centenas de famílias ainda não sabem as causas da morte ou o paradeiro de seus entes queridos, vítimas do extermínio perpretado pela ditadura de Pinochet. Estudo intitulado "Execuções no Chile, setembro-dezembro de 1973: o circuito burocrático da morte" resgata informação original da época e converte-se em um potente arquivo que abrirá novos caminhos de investigação. O artigo é de Christian Palma.

O ministro da Corte de Apelações de Santiago, Alejandro Solís, juntamente com o diretor nacional do Serviço Médio Legal (SML), Patricio Bustos, e os peritos do caso, informaram esta semana que o organismo forense conseguiu identificar os restos de Juan Pedro Garcés Portigliati, entre as ossadas provenientes do pátio 29 do Cemitério Geral de Santiago. Garcés Portigliati, que até agora não havia sido identificado, integrava a guarda pessoal do ex-presidente Salvador Allende e se encontrava nas imediações do Palácio de La Moneda na manhã de 11 de setembro de 1973, quando foi detido pelos carabineiros.

As análises genéticas que possibilitaram a identificação positiva foram realizadas pelo Laboratório da Universidade de North Texas, nos Estados Unidos, a partir de um trabalho prévio realizado por uma equipe multidisciplinar do SML. As perícias de medicina legal e antropologia puderam estabelecer que a morte de Garcés, que na data da prisão tinha 20 anos, deveu-se a múltiplas feridas causadas por projétil balístico.

No Chile, centenas de famílias ainda não sabem as causas da morte ou o paradeiro de seus entes queridos, vítimas do extermínio perpretado pela ditadura de Pinochet. Colaborar para o esclarecimento desses casos é o objetivo de John Dinges, professor da Universidade de Columbia e Pascale Bonnefoy, pesquisadora de Archivos Chile (ArchivosChile.org), com seu trabalho “Execuções no Chile, setembro-dezembro de 1973: o circuito burocrático da morte”, documentação on-line apresentada em Santiago como projeto do Centro de Investigação e informação (Ciinfo) e do Instituto de Comunicação e Imagem da Universidade do Chile.

Trata-se de uma série de reportagens que resgatam informação original da época. A novidade é que a documentação foi obtida por meio da Lei de Transparência, que regula o direito de acesso à informação dos órgãos de Estado – do Serviço Médico Legal, Registro Civil, Cemitério Geral e Segundo Tribunal Militar, convertendo-se em um potente arquivo que abrirá novos caminhos de investigação.

Correspondente do Washington Post no Chile, entre 1972 e 1978, John Dinges, disse à Carta Maior que serão publicados dez capítulos. Entre eles, uma reportagem sobre o enlace existente entre o Registro Civil e o necrotério. “Como havia um clima de caos nos necrotérios, o procedimento normal foi superado. Conseguimos identificar pessoas que até hoje não tinham sido apontadas pelas comissões oficiais, e que, pelas características da morte, podem ter sido vítimas de execuções políticas”.

Ele assegura ter documentados 151 novos casos de violação de direitos humanos que não figuram nas comissões de verdade e reparação. “Destes, 84 são cadáveres que podem estar enterrados sem identificação e isso é uma pista para reabrir investigações”, sustenta o pesquisador estadunidense. Pode ter ocorrido erro na identificação de corpos, a passagem de pessoas pelos necrotérios que hoje aparecem como presos-desaparecidos e erros sobre o real destino de muitos executados, supostamente enterrados ou incinerados no Cemitério Geral.

O Archivos Chile habilitará um mapa interativo que mostrará todas as localizações dos corpos encontrados em Santiago desde o 11 de setembro de 1973, dia do golpe de Estado, até dezembro desse ano. “Ao se clicar na página, se encontrarão corpos dia a dia até que toda a tela do computador fique escura. É uma ferramenta de conscientização que doaremos também ao Museu da Memória”, explica.

Outro capítulo chave é o relato de dentro do necrotério sobre a desordem provocada pela avalanche de corpos executados que chegavam. Com base em entrevistas e na revisão do livro de ingresso de todos os mortos, a investigação reconstrói o que aconteceu hora a hora no necrotério de Santiago.

“Os caminhões chegavam com10 a 15 cadáveres todos os dias e os descarregavam”, conta o pesquisador norteamericano. Neste processo, houve irregularidades da cadeia de custódia dos corpos, na identificação de cadáveres e corpos que desapareceram logo depois de entrar no necrotério. A documentação permitiu desvelar a burocracia por trás das execuções massivas e fazer um trajeto dos corpos desde que entraram no necrotério até seu sepultamento.

A terceira parte aponta a negligência do Tribunal Militar. Segundo os registos, 90% dos casos de executados a tiros foram assumidos pela Promotoria Militar, em contraposição à lei que indica que os juízes do lugar onde se encontra a vítima devem assumir a investigação e ordenar a autópsia.

No próprio dia 11 de setembro, às 20 horas, chegaram os primeiros executados políticos. Houve uma chamada da guarnição militar ordenando a autópsia. Desde esse momento, em quase todos os casos de executados, a Promotoria Militar assumiu a “investigação”. Nenhum juiz civil fez investigações”, relata Dinges.

A investigação fez um levantamento nas promotorias e descobriu que não houve nenhuma investigação criminal sobre casos de violações de direitos humanos. “Isso não surpreende porque os militares não iriam acusar a si próprios. Mas confirmamos que eles montaram um sistema onde assumiram a jurisdição e ignoraram a responsabilidade jurídica chilena. Isso é gravíssimo”, concluiu Dinges.

Após o fim da ditadura, entre 1991 e 1992, as comissões de Reparação e Reconciliação apontaram 3.195 desaparições e execuções durante o regime militar. Em 2004, se documentaram 28.459 casos de prisão política e tortura, cifra essa que, segundo as novas investigações, pode aumentar.

Tradução: Katarina Peixoto

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