terça-feira, 17 de janeiro de 2012

1017- PODER MUNICIPAL 33 - Distribuição de competências nas nova federação

PARA CITAR: MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Poder Municipal, paradigmas para o estado constitucional brasileiro, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1997, pp.208-211.

10. A DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA NOVA FEDERAÇÃO

            A Constituição de 1988 traz um modelo de federação renovado, o qual tivemos oportunidade de estudar anteriormente. Ressaltamos, entretanto, que a mesma Constituição que estabele­ce mecanismos de proteção da forma federal do Estado brasilei­ro, no momento em que dispõe sobre as competências, distribu­indo-as, cria uma federação extremamente centralizada, descaracterizada, muito mais próxima de um Estado unitário descentralizado, do que efetivamente uma federação, idéia que deveria implicar deixar para a União apenas as competências que necessariamente, por imposição de sua natureza, devam perten­cer ao ente federado maior.
            O texto da Constituição atual parece indicar justamente o oposto. Enumera várias competências para a União, deixando para os Estados e Municípios outras competências extremamente limitadas, também enumeradas no texto, estabelecendo algumas vezes como absoluta exceção à regra a legislação estadual que venha regulamentar as especificidades de cada região. Quanto aos Municípios, a situação se agrava, pois, em face da grande enumeração de competências para a União e de forma limitada para os Estados, muito pouco resta para os Municípios.
            Os arts. 21 a 24 da Constituição Federal estabelecem a distribuição de competências entre os entes federados. Esses dispositivos indicam, inequivocadamente, uma concentração de poderes para a Uno, sendo exceção a competência do entes federados nas duas outras esferas, seja estadual ou municipal.
            Analisando os mecanismos de distribuição de competên­cias, podemos classifi-las em quatro grandes modelos:
            a) algumas Constituições preferem adotar a técnica de enumerar as competências da União, deixando para os outros entes federados a competência remanescente;
            b) outra técnica será a enumeração das competências dos Estados- Membros, deixando a competência remanescente para a União. Neste caso parte-se do pressuposto de estar trabalhando com uma federação de dois níveis, ou seja, União e Estados ­Membros;
            c) pode-se adotar, ainda, a enumeração exaustiva da com­petência de todos os entes federados, deixando a competência residual para um dos entes federados, seja União ou Estados. Note-se que, nestes casos, não é comum levar-se em considera­ção os Municípios como entes federados;
            d) finalmente, a última técnica habitualmente utilizada pelas Constituições existentes será a adoção dos modelos acima citados em capítulos diferentes da Constituição, o que se pode chamar de modelo complexo ou misto.
            Importante ressaltar a diferença de competências remanes­centes, residuais e enumeradas. As competências enumeradas são aquelas que expressamente constam do texto da Constitui­ção. As competências remanescentes são as que uma vez enume­radas as competências de um ente federado, todas as outras não constantes expressamente do texto pertencem aos outros entes federados. Enfim, as competências residuais são as que, após uma enumeração exaustiva das competências de todos os entes federados, o resíduo ou em outras palavras, aquelas situações excepcionais, serão destinadas a um dos entes federados. Note-se que estamos tratando obviamente de Estados Federais, o que não significa que estas questões também não possam ser analisadas em Estados regionais ou autonômicos.
            Tomando como exemplo as competências enumeradas nos arts. 21 a 24 da Constituição Federal, podemos perceber clara­mente o que temos chamado de federação desvirtuada. Os arts. 21 e 23 dispõem sobre as competências administrativas, enquan­to os arts. 22 e 24 estabelecem as competências legislativas. As competências administrativas dividem-se em competências co­muns e exclusivas. As primeiras são aquelas que podem ser exercidas simultaneamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sem que um ente federado limite a atuação do outro. Exemplo de competência administrativa comum é, por exemplo o art. 23, VI, que estabelece que todos os entes federados devesse proteger o meio ambiente e combater a polui­ção, em qualquer de suas formas.
            A competência administrativa exclusiva é aquela que, pela sua natureza só pode ser exerci da pelo ente federado de maior extensão territorial, abrangendo os demais níveis da federação (estadual e municipal). Como exemplo, podemos citar o art. 2J, II, que determina que compete à União declarar a guerra e cele­brar a paz.
            Nas competências legislativas, a centralização ou o desvir­tuamento da federação fica claro. A competência legislativa se divide, em nossa Constituição em competência exclusiva, priva­tiva e concorrente plena ou suplementar.
            A competência exclusiva diferencia-se da privativa pelo fato de que a primeira é indelegável e a segunda é delegável por intermédio de lei complementar.
            O art. 22 estabelece que compete privativamente a União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho. O parágra­fo único do mesmo artigo dispõe que lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas nesse artigo.
                Observe que o texto constitucional coloca como absoluta­mente excepcional o que deveria ser regra. A federação pressu­põe a descentralizão como regra, e o que a diferencia dos novos Estados regionais e autonômicos cada vez mais descentra­lizados é o importante fato de que as competências da União devem ser aquelas que se impõem pela sua natureza. A regra é a descentralização, deixando para a União aquelas matérias que, pela sua natureza, necessitem a coordenação do ente federado territorialmente maior, ou, em outras palavras, o ente federado que o seu território contenha os outros níveis da federação (os Estados e os Municípios).
            A doutrina classifica as competências legislativas em ex­clusivas, privativas e concorrentes. Mencionamos anteriormente que as competências exclusivas e privativas se diferenciam pelo fato da primeira ser indelegável e a segunda, delegável. A legis­lação em matéria de importantes ramos do Direito que deveria ser deixada para os entes federados menores é concentrada na União, sendo que outras importantes matérias são competências concorrentes da União, dos Estados, do Distrito Federal, e, em­bora não esteja expresso no art. 24 da Constituição, aos Municí­pios, sempre de forma supletiva conforme os arts. 29 a 31.
            A atuação da União deveria ser sempre supletiva e não o contrário como consagrado neste artigo. Aplicando-se a lógica do princípio da subsidiariedade à estrutura do Estado, percebemos que se deve concentrar poderes nos entes federados meno­res, valorizando a descentralização, deixando apenas e sempre de forma subsidiária na a atuação dos Estados e por ultimo da União.
             Contrariando a ideia de federação e a forma mais democrática  de administração, a Constituição Federal de 1988 concen­tra poderes aplicando o inverso da subsidiariedade acima descri­ta. Alem dos dispositivos já citados o art. 24 determina que compita à União aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito tributário,financeiro,penitenciário,econômico, urbanístico, etc.
A competência concorrente significa que a União estabelecerá as normas gerais sobre a matéria, exercendo os Estados e o Distrito Federal competência supletiva, devendo as suas normas se adequarem às regras gerais da lei federal.
Apenas quando a União não exercer sua competência concorrente de estabelecer normas gerais, é que o Estado e o Distrito Federal poderão execer competência legislativa concorrente plena. Mesmo assim, a superveniência da lei federal sobre a matéria suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Embora os Municípios não seja mencionados nesse dispositivo, o art. 30,II, estabelece que é competência destes suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Em outras palavras, quase nada em termos de legislação sobre estas importantes matérias restará aos Municípios, e mesmo assim em nenhuma hipótese estes terão competência plena, mas sempre supletiva, o que significa que, apenas quando existir legislação federal e estadual sobre o tema, os Municípios poderão legislar sobre matérias do seu interesse em termos de legislação concorrente.
Estes e outros dispositivos têm que ser supridos em uma nova Constituição democrática, invertendo-se a lógica para o estabelecimento de uma verdadeira federação.
A competência dos Municípios deve ser maior, deixando-se a atuação de forma subsidiária para os Estados- Membros e a União.
Não existe razão de a Constituição Federal estabelecer o sistema de governo e o sistema eleitoral dos Estados e Municípios. Se a autonomia política existente em uma federação caracteriza-se pela capacidade de auto-organização, autonormatização e autogoverno, a organização das esferas estatais federais, tanto em nível estadual como municipal, não devem ser regulamentadas pela União.

Nenhum comentário:

Postar um comentário