segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

1041- Imagens distorcidas - Laurindo Lalo Leal Filho

Colunistas| 18/01/2012 | Copyleft
DEBATE ABERTO

Imagens distorcidas

No mês passado, ocorreu em Caracas, na Venezuela, um fato capaz de dar à América Latina e ao Caribe a primeira oportunidade real de romper com as dominações externas mantidas sobre o continente há mais de 500 anos. Alguém soube disso através da TV?

(*) Artigo publicado originalmente na edição de janeiro da Revista do Brasil.

A maioria dos brasileiros só se informa pela televisão e, quase sempre, fica mal informado. Todos os dias as emissoras selecionam e transmitem inúmeras notícias de fatos ocorridos no Brasil e no mundo mas o que não bate com seus interesses comerciais e políticos fica fora. A desinformação, no entanto, acontece também no que é mostrado. As notícias veiculadas são organizadas e editadas segundo os mesmos interesses.

Há dois exemplos significativos. Um, de mais de vinte anos, só agora revelado. Trata-se do famoso debate Lula-Collor de 1989. Sabia-se que ele havia sido editado para ser exibido no Jornal Nacional, da Rede Globo, de forma a ressaltar os melhores momentos de Collor e os piores de Lula. Sua exibição, dessa forma, às vésperas das eleições influenciou um grande número de eleitores, conforme mostraram pesquisas na época.

A manipulação não ficou só ai. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, um dos principais executivos da Globo naquela ocasião revelou, em entrevista recente, a dimensão real do episódio. O debate não foi manipulado apenas na edição levada ao ar. Os truques começaram bem antes, uma vez que segundo o próprio Boni, a emissora “tomou partido” e “produziu” o debate para beneficiar o então candidato alagoano.

“Eu achei que a briga do Collor com o Lula nos debates estava desigual, porque o Lula era o povo e o Collor era a autoridade. Então, nós conseguimos tirar a gravata do Collor, botar um pouco de suor, com uma 'glicerinazinha', e colocamos as pastas todas que estavam ali, com supostas denúncias contra o Lula. Mas as pastas estavam inteiramente vazias ou com papéis em branco", revela Boni.

Se você acha que isso é coisa do passado e não acontece mais está enganado. No mês passado, ocorreu em Caracas, na Venezuela, um fato capaz de dar à América Latina e ao Caribe a primeira oportunidade real de romper com as dominações externas mantidas sobre o continente há mais de 500 anos.

Foi criada a Celac, Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, reunindo 33 países da região, deixando fora os Estados Unidos e o Canadá que sempre dominaram a OEA, a Organização dos Estados Americanos, até então a principal organização multilateral do continente, chamada com muita propriedade de “ministério das colônias” pelo então presidente de Cuba, Fidel Castro.

Trata-se de um grito de libertação dos países situados ao sul dos Estados Unidos. Dois séculos depois do rompimento dessas nações com as metrópoles espanhola e portuguesa inicia-se agora uma luta conjunta em busca da autodeterminação política e econômica, livre das imposições dos impérios modernos.

A Celac definiu como um dos seus princípios básicos a defesa das democracias nos países-membros. Se, em algum deles, a ordem institucional for rompida a expulsão é imediata. Medida que busca evitar a repetição de fatos recentes como o golpe de Estado que depôs o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, em 2009 e a tentativa frustrada de tomar o poder através da força no Equador em setembro de 2010.

Alguém soube disso através da TV? Não que a televisão brasileira não estivesse lá. Estava mas não para mostrar a dimensão histórica do que ocorria em Caracas. Tudo que era importante foi escondido e, para não perder a viagem, o Jornal Nacional colocou no ar o questionamento feito à presidenta Dilma Roussef sobre uma declaração de amor divulgada, no Brasil, por um ministro em vias de demissão. Surpresa, Dilma foi gentil e respondeu a pergunta descabida e fora de lugar. Ao telespectador restou receber uma informação supérflua em prejuízo do essencial.

O caso revela que as distorções ocorridas em torno do debate presidencial de 1989 não são exceções. Ao contrário, trata-se de uma prática comum, embora menos perceptível. A TV acaba fazendo como o mágico que chama a atenção para o lenço enquanto, sem o público perceber, tira o pombo da cartola, na feliz imagem do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Infelizmente assistimos a essa mágica todos os dias no telejornalismo brasileiro.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

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