sábado, 28 de janeiro de 2012

1061- Obra relaciona capitalismo e gestão de afetos

Obra relaciona capitalismo e gestão de afetos

Livro da socióloga Eva Illouz propõe compreender sistema econômico sob a ótica das afeições pessoais e crenças

Ela ainda foi capaz de mostrar como a valorização do capital poderia ser impulsionada por uma boa gestão de afetos


VLADIMIR SAFATLE

COLUNISTA DA FOLHA


Estamos acostumados a compreender o capitalismo como um sistema econômico caracterizado principalmente pelo livre mercado, pela concorrência entre os atores econômicos e por uma dinâmica de autovalorização incessante do capital.
No entanto, o capitalismo é, também, uma forma de vida que racionaliza várias dimensões sociais a partir de um conjunto de valores morais, psicológicos e de princípios de avaliação.
Podemos falar, aqui, que estamos diante de uma forma de vida, porque não se deseja da mesma forma dentro e fora do capitalismo, assim como não se trabalha e não se fala da mesma forma.
O desejo, o trabalho e a linguagem têm uma configuração específica no interior das sociedades capitalistas avançadas.
Foi tomando tal perspectiva como ponto de partida que a socióloga Eva Illouz propôs compreender os afetos nos tempos do capitalismo ou, para ser mais preciso, compreender o capitalismo como um sistema de produção e gestão de afetos.

TRADUÇÃO

Infelizmente, por alguma razão obscura, a tradução mudou o título para um injustificável "O Amor nos Tempos do Capitalismo" (e não afetos nos tempos do capitalismo, como seria o correto).
Pois a interessante tese central do livro é de que a psicanálise freudiana desencadeou a produção de uma "cultura afetiva intensamente especializada", de um "novo estilo afetivo, o estilo afetivo terapêutico", que servirá de base para uma modificação mais profunda na maneira com que o mundo contemporâneo do trabalho, do consumo e das instituições implica sujeitos.
Illouz descreve, por exemplo, este rápido processo por meio do qual a maneira freudiana de pensar o eu, com sua história de conflitos, seu modo de narrar tal história e exigir reconhecimento social, irá reconfigurar a imaginação empresarial.
Desde os estudos clássicos de Elton Mayo sobre o trabalho na General Electric, o mundo empresarial aprendeu o léxico das relações humanas, a terminologia da psicologia motivacional e a necessidade de "comunicar seus sentimentos".
Em suma, ele aprendeu aquilo que a autora chama de "cultura terapêutica".
Um aprendizado que não deixava de tecer relações com as modificações produzidas por Freud em nossa compreensão do eu.
Assim, "um discurso científico [a psicologia] que versava primordialmente sobre pessoas, interações e sentimentos transformou-se no candidato natural para moldar a identidade no trabalho".
Tal engenharia psicológica, segundo a autora, saturou a esfera econômica com afetos: "Um tipo de afeto comprometido com o imperativo de cooperação e com uma modalidade de resolução de conflitos baseada no 'reconhecimento'".
Ela ainda foi capaz de mostrar como a valorização do capital poderia ser impulsionada por uma boa gestão de afetos, pelo bom uso da "inteligência emocional".
Illouz ainda lembra como tal saturação da esfera econômica pelos afetos não poderia deixar de interferir nos relacionamentos íntimos.
Esses, por sua vez, foram cada vez mais objetos de racionalização e cálculos de custo/benefício dignos do mundo empresarial.
Ou seja, ao voltar para a dimensão dos relacionamentos familiares e amorosos, a preocupação com os afetos trouxe os princípios de racionalização que regem a esfera econômica.

NEGOCIAÇÃO DO AMOR

Um estudo, no capítulo final, sobre sites de relacionamento e entrevistas com usuários procura expor o ponto extremo de tal processo.
Maneira de mostrar até onde pode ir o processo de mercantilização e reificação das relações amorosas.
Processo no interior do qual "é difícil separar o sentimento romântico da experiência do consumo".
Com tais teses importantes, o estudo de Illouz demonstra o tipo de contribuição que a articulação entre teoria social de inspiração frankfurtiana e psicanálise ainda é capaz de fornecer para uma perspectiva crítica das sociedades capitalistas.
Ele demonstra como não há crítica possível sem levar em conta a perspectiva dos indivíduos com seus sistemas de afetos e crenças.

O AMOR NOS TEMPOS DO CAPITALISMO
AUTOR Eva Illouz
EDITORA Zahar
TRADUÇÃO Vera Ribeiro
QUANTO R$ 36 (188 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo



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