terça-feira, 1 de maio de 2012

1156- Seres coletivos, nós somos: sobre teorias e simplificações - Coluna do professor José Luiz Quadros de Magalhães


As teorias enquanto simplificações coerentes sistematizadas do real observado constroem códigos próprios que passam a ser instrumentos não só de compreensão mas também de limitação do campo de compreensão e muitas vezes como exercício de poder de grupos sobre outros grupos. Ou seja, se o conhecimento pode ter o condão de libertar, pode também, um conhecimento elitizado, escondido em códigos secretos, ou labirintos lingüísticos, tornar-se fator de dominação ideológica, dominação esta fundamental para a legitimação de poderes excludentes.
Simplificando e procurando simplificar a saída do labirinto, podemos pensar que o conhecimento científico, organizado e sistemático, construído sobre bases metodológicas, explica e reorganiza práticas que têm seu método e coerência própria, ou em outras palavras: o conhecimento popular e as práticas sociais não se resumem às manifestações tradicionais não reflexivas, fundamentos religiosos e preconceitos enquanto que, a ciência moderna, impregnou-se de preconceitos, novas sacralizações e verdades formais arrogantes e pré-potentes. Sem negar um e outro, ou sem escolher um ou o outro, a história pode nos ensinar que por meio de uma racionalização podemos organizar a produção de um conhecimento construído no cotidiano, retirando os preconceitos e tradições não reflexivas do que chamamos “senso comum”, desde que a ciência também não construa preconceitos sofisticados e novas sacralizações para uma nova prática religiosa; ou: muitas pessoas em muitos momentos da história acharam que inventaram a roda, e muitos ainda continuam inventando, de novo e de novo...
Um outro problema decorre destas reflexões e se refletem diretamente no Direito moderno: a crença no individuo como unidade desconectada do entorno, como uma pretensão de soberania de vontade que permanece no tempo e como uma pessoa que permanece essencialmente a mesma. Em outras palavras uma identidade individual permanente. Esta ficção liberal pretende atribuir aos indivíduos criações, construções, invenções, inovações que são construções históricas permanentes e logo não podem ser apropriadas pelo individuo. Assim, em algum momento, a partir de uma construção histórica coletiva, alguém chega a um resultado, uma nova teoria, uma descoberta científica, uma inovação tecnológica, uma obra artística, etc. A lógica individualista leva a que esta pessoa se aproprie de anos, décadas, séculos de construção. Assim aprendemos que fulano inventou isto, cicrano descobriu aquilo outro e assim por diante. Essa pretensão nos retira a nossa compreensão de pessoas singulares e coletivas que somos, sempre fruto da vivencia com os outros, assim como recorta processos criativos criando mitos. Marx não produziu sua teoria do nada, assim como Santos Dumont não partiu do zero para a construção de seu 14 Bis, e assim por diante. Tudo é fruto de processos coletivos de construção permanente, inclusive nós mesmos. A genialidade de algumas pessoas nos faz visualizar uma espécie de pescador: alguém que sem esforço encontra melodias, pesca sinfonias, e como que uma antena aberta ao universo é capaz de visualizar obras magistrais. Outros de nós são sistematizadores, capazes de captar séculos de construção e sintetizá-los em uma criação útil. Mas o que é fundamental para compreensão do complexo processo de transformação por que passamos, é a percepção de uma dinâmica e complexa unidade de uma história que se constrói permanentemente.

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