terça-feira, 2 de outubro de 2012

1248- O triste espetáculo da vaidade humana - STF e Ação penal 470


Colunistas| 01/10/2012 | Copyleft 
DEBATE ABERTO

A suprema caricatura

Recebi, via e-mail (como muitos outros, imagino), uma fotografia do ministro Joaquim Barbosa, de costas no plenário, associando-o ao Batman. Essa mensagem simbolizaria uma espécie de redenção do povo brasileiro, que estaria, finalmente, vingado de toda a corrupção e de todas as mazelas da política brasileira por esse novo paladino.

Recebi, via e-mail [como muitos, imagino], uma fotografia do ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 470 em julgamento no Supremo, de costas no plenário, associando-o ao Batman. Essa mensagem, imantada com o brilho reluzente e enganador do verniz das aparências, parece simbolizar e sintetizar uma espécie de redenção do povo brasileiro, que estaria, finalmente, vingado de toda a corrupção e de todas as mazelas da política brasileira por esse novo paladino, “o vingador” – aquele que (re)surge das trevas para nos redimir. Mas, se formos um pouco além das aparências na análise dessa caricata imagem, ela poderá de fato nos ensinar algo: que a fantasia pode mascarar a realidade. E algo mais: que a luz ainda não iluminou, de fato, as trevas. Pobre da sociedade que educa o seu povo através de grotescas caricaturas.

Antes do começo do julgamento no Supremo, confiava plenamente na justiça e lisura dos ministros - e do julgamento em si. Afinal, estavam ali reunidos supostamente os melhores magistrados e juristas do país, “homens e mulheres de alta autoridade moral e reconhecido saber”, que iriam se debruçar, com a devida atenção e denodo, sobre os autos do processo; analisar com prudência magna, e de modo imparcial, as acusações do procurador e as alegações dos advogados de defesa; debater com seus pares da Corte e assim certamente chegar a um consenso e, por fim, a um veredito. Far-se-ia justiça então.

Mas com os holofotes e a pressão desmedida da grande mídia, e do paradoxalmente silencioso estrépito da chamada “opinião pública” (forjada por essa mesma mídia), percebe-se nitidamente que alguns ministros abandonaram os autos e a verdade factual, deixaram a toga de lado e vestiram, não sem um certo garbo, diga-se, a fantasia de paladinos da justiça, de “super-heróis”. Dessa vez, sem acusar desconforto algum com a fria lâmina da navalha dos jornalistas e dos grandes veículos a lhes ameaçar o pescoço, como na ocasião da aceitação da denúncia [lembre-se da frase proferida numa conversa informal pelo ministro Lewandowsky : “A imprensa acuou o Supremo... Todo mundo votou com a faca no pescoço ”]. 

Algo se perdeu no caminho da busca pela Justiça. O que parece estar ocorrendo é uma espécie de “justiçamento”. Tudo para agradar as galerias – sim, como nos tempos da Roma antiga. Os justos, os que deviam clamar pelo império da lei, calam-se. A imprensa manietou o Supremo.

Desgraçadamente vivemos tempos sombrios, de homens medíocres. Vivemos numa “sociedade do espetáculo” - na qual o que importa são as aparências, o verniz, o aplauso fácil, ligeiro, o “ibope” aferido no calor do momento, o jargão grandiloquente. Vivemos num mundo de verdades tão absolutas quanto aparentes; vivemos numa sociedade caricata - daí talvez compararem o eminente ministro com o “homem morcego”, o “cavaleiro das trevas”. Seria risível, não fosse trágico. Não é digno de cavalheiros fazer graça com a desgraça alheia. Porque o que está em jogo é a dignidade e a vida de dezenas de cidadãos (algo que não pode ser negociado assim, como numa feira, “de baciada”, às dezenas) – quer gostemos ou não, indivíduos inocentes até prova em contrário. E esse não é um mero axioma ou “detalhe”; é princípio basilar do Estado de Direito.

Esse histórico julgamento no Supremo está acontecendo de maneira açodada/apressada num aparente cálculo para colidir com o calendário eleitoral e assim causar algum prejuízo, nas eleições de outubro para prefeito e vereador, aos candidatos do PT e nos partidos da base aliada. 

Por que tanta pressa em julgar nesse momento, passados 7 anos, acelerando os trâmites e os debates? Por que essa celeridade e atropelo justo agora? Quem assiste ao julgamento pela TV tem a nítida impressão que ali se encena um espetáculo teatral, cujo roteiro e final é por todos previamente conhecido. Alguns ministros sequer prestaram atenção nas alegações das defesas dos réus ou acompanham atentamente os votos dos seus pares; meros indícios tornam-se provas cabais; algumas argumentações e alegações do relator desrespeitam princípios básicos do direito! Ah, a prostituta das provas...

Não se trata de querer defender o indefensável. Não se apresse você também em me condenar ou as minhas palavras e ideias. Quem cometeu crime(s) deve pagar – na forma da lei. Por isso merece um julgamento justo, imparcial, sem “faca no pescoço”, sem “subjetividades” que incriminam. Não devemos nos inclinar para nenhum lado da balança que define o equilíbrio e simboliza a Justiça. 

Em qual escaninho da justiça ficou o suposto “mensalão mineiro”, a aparente origem de todo esse esquema escuso de financiamento de campanhas, mas que envolvia outras agremiações partidárias [PSDB e PFL (atual DEM) à frente] – estas inatacáveis, pois filhas legítimas da casa-grande?

Por que o Supremo [e também os jornalistas e os órgãos de imprensa] em vez de jogar para as galerias e apenas condenar, em alguns casos de modo precipitado e sem a devida prova, somente uns poucos graúdos e muitos mequetrefes pelos seus supostos crimes, não condena também, e principalmente, aí sim, toda essa prática deletéria e criminosa de “caixa 2” ou as/os “caixinhas” dos partidos políticos [de todos eles – a exceção, talvez, do PSol e do PSTU] e propõe, em caráter de urgência, a discussão de uma reforma política ao Congresso e ao país? Seria talvez mais honesto. Para assim se tentar coibir essa prática, tão usual e conhecida por todos (hipocrisia à parte), dos arrecadadores ou “operadores” dos partidos políticos que se instalam nas empresas, autarquias e fundações públicas, tal qual cupins, para extorquir/achacar empresários e assediar e intimidar funcionários de carreira, carcomendo assim a estrutura da coisa pública e a integridade dos homens. Dessa forma, aí sim, o Supremo estaria, de modo soberano, cumprindo o seu papel de melhorar as instituições e a sociedade.

Caso contrário, ao final desse triste “espetáculo”, perceberemos constrangidos, que todos nós, os bem intencionados, a que tudo aplaudimos, de pé e entusiasticamente, fomos, sem o saber, cúmplices inocentes da criminosa hipocrisia com a qual nos enganamos desde sempre. Hipocrisia, lastro bastardo dessa falsa moral com a qual nos embriagamos e nos fartamos.


Lula Miranda é poeta e cronista. Foi um dos nomes da poesia marginal na Bahia na década de 1980. Publica artigos em veículos da chamada imprensa alternativa, tais como Carta Maior, Caros Amigos, Observatório da Imprensa, Fazendo Média e blogs de esquerda.

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