domingo, 30 de dezembro de 2012

1284- Delírio - o poder se tornou tanto que os seus donos e seguidores deliram - Coluna do professor José Luiz Quadros de Magalhães


DELÍRIO

por José Luiz Quadros de Magalhães

        Temos discutido, em vários textos, o significado diverso da palavra "ideologia", que ganha contornos distintos em diversos autores. Um dos primeiros a tratar o termo com um significado negativo de distorção e encobrimento foi Karl Marx. Marx utilizou inicialmente a palavra "inversão" conceito que o filósofo constrói em contraponto à ideia de "inversão" em Hegel. Para Hegel, "inversão" seria a passagem (ou conversão) do subjetivo para a objetivo e vice-versa: "o estado prussiano surge como autorrealização da Ideia[1], como o 'universal absoluto' que determina a sociedade civil, em lugar de ser por ela determinado."
        Para Marx, a fonte da inversão ideológica é uma inversão da própria realidade. Marx aceita inicialmente o principio básico de Feuerbach de que o ser humano cria a ideia de religião e de deus, e que a ideia de que deus criou o ser humano é uma "inversão". Marx, entretanto, vai muito além. Para Marx isto não é apenas uma ilusão ou uma alienação filosófica, isto é produto de uma "inversão" que está presente na realidade das relações de poder. A única maneira de eliminar este ocultamento, estas inversões, é, para Marx, a mudança da realidade social. Assim Marx afirma no seu texto "Critica da filosofia do direito de Hegel: introdução" que o estado e a sociedade criam, inventam, a religião, "que é uma consciência invertida do mundo porque o próprio estado e sociedade estão invertidos[2]. O mundo está de cabeça para baixo (sensação que se amplia a cada dia) e não basta a filosofia para desvirá-lo, é necessário a transformação da realidade social e econômica.
        Nos seus escritos Marx nos sugere uma ideologia negativa (a partir do conceito marxiano de inversão) enquanto distorção e encobrimento e no texto, "A ideologia alemã", podemos pensar em uma ideologia no sentido positivo, enquanto um sistema de ideias. Neste texto Marx chama a atenção sobre a impossibilidade de uma "ideologia positiva" (Marx não usa esta expressão isto sou eu) acabar com uma "ideologia negativa" (também não usa esta expressão - mas a ideia geral pode ser encontrada nos textos). A única forma de acabar com a ideologia no sentido negativo (inversão) é transformando a realidade invertida, ou melhor, revolucionando a realidade social e econômica. Esta é uma inspiração fundamental em Marx: uma filosofia engajada na transformação social.
        Convido o leitor a ler Marx, assim como ler um livro de Slavoj Zizek "Um mapa da ideologia", publicado no Brasil pela editora Contraponto, em 2010, no Rio de Janeiro. Leiam também os textos e vídeos sobre ideologia publicados no blog (www.joseluizquadrosdemagalhaes.blogspo.com).
        Compreendendo o processo ideológico de encobrimento uma questão se apresenta neste inicio de século. O problema contemporâneo está em uma radicalização do processo de alienação. Os discursos não mais guardam contato com qualquer traço do real. Como cantaria Cazuza, "suas ideias não correspondem aos fatos", e lembrando Zizek, as palavras não mais correspondem aos seus conceitos historicamente construídos e transformados, ou seja, se afastam do caminho histórico conceitual de seus significados. Citando Zizek: "a luta pela hegemonia ideológico-política é por consequência, sempre a luta pela apropriação dos termos 'espontaneamente' experimentados como 'apolíticos', como que transcendendo as clivagens políticas."[3]
        Não há mais uma preocupação mínima com qualquer coerência ou construção lógica do discurso ideológico. A ideologia (a distorção, alienação e encobrimento) se apresenta de forma pura, desavergonhada e brutal. As ações não se sustentam em argumentos. Estes resistem pouco e rapidamente se transformam em raiva, no rebaixamento do outro e na desqualificação do seu argumento.
        Um exemplo interessante se apresenta na Argentina, final de 2012: o jornal "O Clarin" detém mais de 250 licenças de rádio e televisão. Uma nova lei aprovada pela Câmara e Senado argentinos e sancionada pela presidenta da República, limita a propriedade dos meios de comunicação seguindo orientação da Unesco, o que permitirá que a pessoas possam ter acesso a mais meios, que representem interesses diversos, compreensões distintas, e assim possam formar livremente seu pensamento. Entretanto, os proprietários privados do "Clarin" defendem seu monopólio fundamentando seus argumentos na liberdade de expressão e na liberdade de consciência. Como¿ Como é possível alguém defender a liberdade de expressão, de imprensa e de consciência defendendo um monopólio, seja ele governamental ou privado? Como confundir o direito das pessoas, dos jornalistas, dos diversos grupos de interesses presentes em uma sociedade expressarem suas ideias com o fato (posto como direito) do exercício individual do proprietário ou proprietários de uma mídia, expressar suas convicções individuais em um meio monopolizado ou oligopolizado. Como é possível sustentar, que é liberdade de imprensa, o fato de um pequeno grupo de proprietários ocuparem 60% do espaço da mídia para dizer suas convicções, sua visão de mundo e defender seus interesses. Esta impossibilidade lógica se choca com a possibilidade de exercício de poder real, concreto, capaz de desestabilizar um governo democraticamente eleito.
        Este uso radical e brutal da ideologia (enquanto distorção) ultrapassa uma argumentação jurídica, política ou econômica: entramos no espaço das ciências "psi" (psicanálise, psicologia e psiquiatria). As pessoas no poder e mais um grupo de seguidores crentes estão DELIRANDO.
        É o comportamento de torcida de futebol aplicado à política.
        As pessoas que se encontram no poder, acumularam tanto poder que estão delirando. Os seus argumentos são delirantes tal o absurdo do poder que acumularam. E a torcida destes grupos deliram coletivamente, com o agravante que ainda defendem interesses que não são os seus, e mais, são contra os seus.
        No dicionário Aurélio encontramos no verbete para "delírio": "Distúrbio de julgamento devido a alteração global da consciência da realidade e que, em face de um raciocínio correto, não se modifica, ou pouco se modifica." O delírio ainda causa (e é fácil identificar os delirantes) "imoderada excitação do espírito; agitação, desvairamento".
       



[1] BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista, Editora Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2001, pag. 184.
[2] BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista, Editora Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2001, pag. 184.
[3] ZIZEK, Slavoj. Padoyaer en faveur de l'intolerance, Ed. Climats, Castelnau-le-Lez, 2004, pag.19.

Abaixo, artigo de Jonathan Cook

Internacional| 29/12/2012 | Copyleft 

O sistema político dos EUA sob comando de Rupert Murdoch

Uma conversa gravada mostra que, no primeiro semestre de 2011, Murdoch pediu a Roger Ailes, chefe da Fox News, que fosse ao Afeganistão persuadir o general David Petraeus, antigo comandante das forças militares norte-americanas, a concorrer à presidência como candidato do Partido Republicano nas eleições deste ano. Murdoch prometeu financiar a campanha de Petraeus e apoiar o general com o aparato midiático da Fox News. O caso é perturbador para a imprensa porque desmonta a fachada democrática da política norte-americana. O artigo é de Jonathan Cook.

Uma conversa gravada mostra que, no primeiro semestre de 2011, Murdoch pediu a Roger Ailes, chefe da Fox News, que fosse ao Afeganistão persuadir o general David Petraeus, antigo comandante das forças militares norte-americanas, a concorrer à presidência como candidato do Partido Republicano nas eleições deste ano. Murdoch prometeu financiar a campanha de Petraeus e apoiar o general com o aparato midiático da Fox News.


Os esforços de Murdoch não adiantaram porque Petraus não quis concorrer. “Diga a Ailes que se um dia eu concorrer”, diz Petraeus na gravação, “apesar de que não vou, mas se um dia eu concorrer a proposta será aceita”.


O caso de Petraeus é perturbador para a imprensa justamente porque desmonta a fachada democrática da política norte-americana, uma imagem construida cuidadosamente para que o eleitorado estadunidense se convença de que decide sobre o futuro político do país.


Bernstein está corretamente horrorizado não só com o ataque frontal à democracia mas com a atitude do Washington Post na publicação da matéria. O furo jornalístico foi enterrado na seção de Estilo do jornal e a editora do Post disse que a reportagem, apesar de “barulhenta”, não “justificaria uma primeira página”.


Alinhando-se à editora, o resto da grande mídia norte-americana ignorou ou menosprezou a reportagem.


Nós podemos assumir que Bernstein escreveu seu artigo sob pedido de Woodward, que assim demonstraria de forma encoberta o ultraje a que foi sujeito por seu jornal. A reportagem, com efeito, deveria causar um escândalo político. A dupla presumivelmente esperava que a história incitasse audiências no Congresso sobre o abuso de poder cometido por Murdoch, assim como aconteceu na Grã-Bretanha, onde investigações revelaram como o magnata controlava os políticos e a polícia britânicos.


Como observa Bernstein, “a corrupção por Murdoch de instituições democráticas fundamentais em ambos os lados do Atlântico é um dos casos de maior importância e alcance político e cultural dos últimos 30 anos, uma narrativa em curso sem igual.”


Bernstein só é incapaz de compreender porque os manda-chuvas da mídia não vêem as coisas como ele vê. Ele demonstra grande desalento perante “a falta de interesse da imprensa e dos políticos norte-americanos sobre o ocorrido. Não se sabe se o desinteresse é causado por medo do poderio de Murdoch e Ailes ou da pouca surpresa que traz a postura dos magnatas da mídia.”


Na verdade, nenhuma das explicações de Bernstein para tamanha falha é convincente.


Uma razão bastante mais provável para a aversão ao caso Ailes/Petraeus por parte da mídia norte-americana é que o caso oferece perigo à barreira construida pela mesma mídia que, com sucesso, oculta a cômoda relação entre as corporações (possuidoras da mídia) e os políticos do país.


O caso de Petraeus é perturbador para a imprensa justamente porque desmonta a fachada democrática da política norte-americana, uma imagem construida cuidadosamente para que o eleitorado estadunidense se convença de que decide o futuro político do país.


O caso revela a charada da disputa eleitoral. Poderosas elites manipulam o sistema com dinheiro e a mídia que eles comandam reduzem a escolha dos eleitores a dois candidatos quase idênticos. Esses candidatos sustentam as mesmas opiniões em 80% das questões. Mesmo as diferenças são resolvidas por trás dos panos pelas elites, seja por meio de lobistas, da mídia ou de Wall Street.


A reportagem de Woodward não prova que Murdoch ameaça a democracia. Ela revela a absoluta dominação do sistema político norte-americano pelas grandes corporações. Essas corporações controlam o que vemos e ouvimos e incluem, obviamente, os donos do Washington Post.


Triste é notar que os jornalistas da mídia corporativa são incapazes de enxergar além dos parâmetros que os donos da mídia impõem. E isso inclui mesmo os mais talentosos da categoria: Woodward e Bernstein.


(*) Jonathan Cook venceu o prêmio de jornalismo Martha Gellhorn em 2011. Seus dois últimos livros são sobre a Palestina. Seu novo website éhttp://www.jonathan-cook.net.


Tradução de André Cristi




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