quarta-feira, 8 de junho de 2016

1614- O teatro da democracia liberal - por José Luiz Quadros de Magalhães

O teatro da democracia liberal
Por: José Luiz Quadros de Magalhães
Vivemos um processo grave de crise institucional generalizada. A utilização das instituições contra elas mesmas gera total insegurança. Lembremos que as instituições foram criadas a partir de interesses e contextos específicos e com finalidades nem sempre expressas, mas facilmente descobertas por meio de uma análise histórica atenta. O Estado moderno nasce de uma aliança entre nobres e burgueses para proteger seus interesses, assim como o constitucionalismo liberal expressamente foi criado pelos burgueses, homens, brancos e proprietários, para proteger a propriedade e os negócios destes mesmos homens brancos e proprietários, exatamente o perfil do governo ilegítimo de Temer.
A primeira questão que se coloca neste momento é justamente o risco do completo caos jurídico, político e econômico quando estas instituições, que têm origem e finalidade, são usadas contra elas mesmas. Em outras palavras, embora estas instituições tenham sido criadas para proteger e favorecer determinados grupos, elas permitiram uma expansão do número de pessoas que poderiam fazer parte da festa consumista do capitalismo neoliberal de ultraconsumo. Importante lembrar que, diversas vezes, esta máquina jurídico-política liberal recebeu infiltrações que permitiram uma ampliação dos direitos, e, de certa maneira, a inclusão de mais pessoas neste jogo, e mesmo, algumas vezes, a limitação de ganhos de um certo grupo econômico. É justamente neste momento que vem o golpe. Toda vez que a “democracia constitucional liberal”, mais constitucional liberal que democrática, serve para incluir além do permitido ou tolerado pela elite econômica e tradicional, há uma ruptura. São inúmeros os exemplos: desde a França de 1799 ou 1851, passando pelo Brasil em 1964, Uruguai e Chile em 1973, Argentina em 1976, as inúmeras tentativas de golpes e de desestabilização dos governos na Venezuela, Bolívia e Equador até o atual golpe institucional brasileiro de 2016.
Há, entretanto, uma novidade interessante e especialmente perigosa no que acontece no Brasil após os balões de ensaio dos golpes de Honduras e Paraguai. Nos golpes empresariais/militares das décadas de 1960 e 1970, as instituições eram fechadas, e o direito era suspenso. Agora o golpe é dado usando as instituições e o direito contra eles mesmos. Isto é novo e traz um perigo extra, desta vez, também para os golpistas, presentes no Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público. Quando os golpes do passado eram dados, as instituições “constitucionais-democráticas” eram fechadas, o que as preservava para que voltassem a funcionar, passada a urgência do golpe, voltando a proteger de uma maneira “legítima” institucionalizada, de novo, os interesses dos que criaram as instituições e, claro, em momento de ameaça de perda de privilégios, davam e sustentavam o golpe. Agora, como a fórmula dos tanques, assassinatos e torturas escancaradas pode não mais funcionar diante da possibilidade real de comunicação global e imediata, em que cada pessoa tem uma filmadora e máquina fotográfica na mão, nos seus celulares, os golpes são mais sofisticados. Mas esta experiência atual, promovida pelos mesmos atores dos outros golpes do passado (a elite branca e machista, as grandes empresas nacionais e transnacionais e os aparelhos de megaestados corporativos, como a CIA e outros órgãos de segurança externos e internos vendidos), contém um elemento novo explosivo. No momento em que as instituições dão o golpe, utilizando todo o aparato e discurso institucional jurídico e político, elas se desqualificam, revelando o que esteve o tempo todo oculto: que estas instituições não foram criadas para todos. O teatro da “democracia liberal burguesa” se revela. As consequências disso? Veremos em breve.
Por isso o momento é de sermos criativos. Além de preservarmos o espaço que conquistamos – nenhum direito a menos –, temos que ousar fazer uma outra política, para construir outro mundo, outra economia, outras instituições ou direito, outra sociedade. Um outro mundo é possível e necessário. Um outro fazer, agora, já.

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