sexta-feira, 10 de junho de 2016

1616- Sobre eleições e constituintes por José Luiz Quadros de Magalhães

Sobre eleições e constituintes

Por: José Luiz Quadros de Magalhães, professor de direito da UFMG e ativista do Conexões Em Luta
Vivemos um processo grave de crise institucional generalizada. A utilização das instituições contra elas mesmas, gera total insegurança. Lembremos que as instituições foram criadas a partir de interesses e contextos específicos e com finalidades nem sempre expressas, mas facilmente descobertas a partir de uma análise histórica atenta. O Estado moderno nasce a partir de uma aliança entre nobres e burgueses para proteger seus interesses, assim como, o constitucionalismo liberal, expressamente foi criado pelos burgueses, homens, brancos e proprietários para proteger a propriedade e os negócios destes mesmos homens brancos e proprietários, exatamente o perfil do governo ilegítimo de Temer.
A primeira questão que se coloca neste momento é justamente o risco do completo caos jurídico, político e econômico, quando estas instituições, que tem origem e finalidade, são usadas contra elas mesmas. Em outras palavras, embora estas instituições tenham sido criadas para proteger e favorecer determinados grupos, elas permitiram uma expansão do número de pessoas que poderiam fazer parte da festa consumista do capitalismo neoliberal de ultra consumo. Importante lembrar que, diversas vezes esta máquina jurídica-política liberal, recebeu infiltrações que permitiram uma ampliação dos direitos, e de certa maneira, a inclusão de mais pessoas neste jogo, e mesmo, algumas vezes, a limitação de ganhos de um certo grupo econômico. É justamente neste momento que vêm o golpe. Toda vez que a “democracia constitucional liberal”, mais constitucional liberal que democrática, serve para incluir além do permitido ou tolerado pela elite econômica e tradicional, há uma ruptura. São inúmeros os exemplos: desde a França de 1799 ou 1851, passando pelo Brasil 1964, Uruguai e Chile 1973, Argentina 1976, as inúmeras tentativas de golpes e de desestabilização dos governos na Venezuela, Bolívia, Equador, até o atual golpe institucional brasileiro de 2016.
Há entretanto uma novidade interessante e especialmente perigosa no que acontece no Brasil após os balões de ensaio dos golpes de Honduras e Paraguai. Nos golpes empresariais/militares das décadas de 60 e 70, as instituições eram fechadas e o direito era suspenso. Agora o golpe é dado usando as instituições e o direito contra eles mesmos. Isto é novo e traz um perigo extra, agora, também para os golpistas, presentes no Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público. Quando os golpes do passado eram dados, as instituições “constitucionais-democráticas” eram fechadas, o que as preservava para que voltassem a funcionar, passada a urgência do golpe, voltando a proteger de uma maneira “legitima” institucionalizada, de novo, os interesses dos que criaram as instituições e, claro, em momento de ameaça de perda de privilégios, davam e sustentavam o golpe. Agora, como a fórmula dos tanques, assassinatos e torturas escancaradas pode não mais funcionar diante da possibilidade real de comunicação global e imediata, onde cada pessoa tem uma filmadora e máquina fotográfica na mão, nos seus celulares, os golpes são mais sofisticados. Mas, esta experiência atual, promovida pelos mesmos atores dos outros golpes do passado (a elite branca e machista, as grandes empresas nacionais e transnacionais, e os aparelhos de mega estados corporativos como a CIA e outros órgãos de segurança externos e internos vendidos), contém um elemento novo explosivo. No momento em que as instituições dão o golpe, utilizando todo o aparato e discurso institucional jurídico e político, elas se desqualificam revelando o que esteve o tempo todo oculto: que estas instituições não foram criadas para todos. O Teatro da “democracia liberal burguesa” se revela. As consequências disto? Veremos em breve.
Por isto o momento é de sermos criativos. Além de preservarmos o espaço que conquistamos, nenhum direito a menos, temos que ousar fazer uma outra política, para construir outro mundo, outra economia, outras instituições, ou direito, outra sociedade. Um outro mundo é possível e necessário. Um outro fazer, agora, já.

Nenhum comentário:

Postar um comentário