quinta-feira, 28 de abril de 2011

Direitos Humanos 1

Direitos Humanos 1

José Luiz Quadros de Magalhães

O estudo dos Direitos Humanos é o estudo integrado dos direitos individuais, sociais, econômicos e políticos fundamentais, e é este raciocínio de complementação e integração desses grupos de direitos fundamentais que desenvolvemos.
Uma questão fundamental deve ser enfrentada inicialmente, que é a da diversidade terminológica. Não nos detivemos neste tema, estabelecendo, desde já, o emprego de expressões que recebem tratamento diferenciado na doutrina.
Quando falamos em Direitos Humanos, utilizamos esta expressão como sinônimo dos direitos fundamentais. Portanto, neste trabalho, direitos fundamentais são os direitos individuais fundamentais (relativos à liberdade, à igualdade, à propriedade, a segurança e à vida); os direitos sociais (relativos à educação, ao trabalho, ao lazer, à seguridade social, dentre outros); os direitos econômicos (relativos ao pleno emprego, ao meio ambiente e ao consumidor); e os direitos políticos (relativos às formas de realização da soberania popular).
Observa Carlos Alberto Bittar que os chamados direitos de personalidade recebem diferentes nomes diante da perspectiva de análise, sendo mais comuns os seguintes: Direitos do Homem, Direitos Fundamentais da Pessoa, Direitos Humanos, Direitos Inatos, Direitos Essenciais da Pessoa, Liberdades Fundamentais e, especialmente, Direitos de Personalidade.1 O autor faz a diferenciação entre direitos de personalidade e liberdades públicas, e por sua vez dos Direitos Humanos. Isso nos desperta para a extrema diversidade de expressões que devem ser ordenadas, que só contribuem para dificultar a compreensão do tema.
É necessário que se faça, desde já, uma classificação dos Direitos Fundamentais da Pessoa, ou simplesmente Direitos Humanos:

• Grupo 1: Direitos individuais – O ponto de convergência dos direitos individuais será a liberdade, sendo que estes direitos são relativos à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança e à igualdade.
Encontramos na doutrina referência a “direitos de personalidade”2 (vida, liberdade), “direitos de intimidade” (vida privada, inviolabilidade de domicílio), “liberdades públicas” (liberdade de reunião, associação, etc.), denominações que se incluem nos Direitos Individuais Fundamentais, nos que, com o objetivo de ordenar e simplificar a matéria, não serão utilizados neste trabalho.

• Grupo 2: Direitos sociais – Compreendem os direitos sociais os direitos relativos à saúde, à educação, à previdência e à assistência social, ao lazer, ao trabalho, à segurança e ao transporte.
Estes direitos estão a pedir uma prestação positiva do Estado, que deve agir no sentido de oferecê-los para a proteção dos interesses da sociedade.

• Grupo 3: Direitos econômicos – Os direitos econômicos são aqueles contidos em normas de conteúdo econômico que viabilizarão uma política econômica. Classificamos entre os Direitos Econômicos, pelas suas características marcantes, o direito ao pleno emprego, o direito ao transporte integrado à produção, o direito ambiental e os direitos do consumidor.
Os direitos econômicos contêm normas que estão protegendo interesses individuais, coletivos e difusos, o que será melhor estudado, com maior detalhe, mais adiante.

• Grupo 4: Direitos políticos – Os direitos políticos são o quarto e o último grupo de direitos que compõem os Direitos Humanos. São direitos à participação popular no Poder do Estado, que resguardam a vontade manifestada individualmente pelo eleitor, sendo que a a diferença essencial em relação aos direitos individuais é que nestes não se exige nenhum tipo de qualificação em razão da idade e nacionalidade para o seu exercício, enquanto para os direitos políticos determina a Constituição requisitos que o indivíduo deve preencher. Estes direitos, no texto brasileiro, são os direitos de votar e ser votado, do referendo, do plebiscito e da iniciativa popular das leis.

Quanto às expressões Direitos Fundamentais e Direitos Humanos, como já afirmamos, recebem na doutrina tratamento diferenciado.
O Prof. Joaquim Carlos Salgado emprega a expressão Direitos Fundamentais como gênero, do qual os Direitos Humanos são espécie, afirmando que os Direitos Fundamentais são formados pelos "Direitos Individuais, Direitos Sociais, Direitos Humanos (síntese dos Direitos Individuais e Sociais) e Direitos Políticos".3 Observe-se que não estão incluídos os Direitos Econômicos como fundamentais, como também não se incluem os Direitos Políticos como Direitos Humanos, discordando essa afirmação dos textos internacionais relativos aos Direitos Humanos.
O Prof. Aurélio Guaita, da Universidade Autônoma de Madrid, considera os termos sinônimos ao analisar a Constituição Espanhola, afirmando que

por tratarse de liberdades públicas o derechos humanos o fundamentales, es evidente, porque es justo, que se reconozcan y garanticen en principio a ‘toda persona’, a ‘todos’, como declaran y a veces así comienzan, por ejemplo, los artículos 15 (derecho a la vida y a la integridad física y moral), 17.1 (libertad y seguridad), 24 (derecho a obtener justicia), 27.1 (educación), 28.1 (sindicación), 31.1 (aqui es obligación: tributos), 45.1 (medio ambiente)”4 [dentre outros].

O Prof. Adolfo Gelsi Bidart observa que os Direitos Humanos são

“derechos básicos, sin los cuales no sería factíbile una sociedad adecuada para el hombre que deben reconocerse a todo hombre por pertenecer a (o derivan de) su modo de ser propio”. Acrescenta que cada vez mais se universaliza a aplicação destes direitos “y se amplia su catálogo, complementándolo para abarcar otros aspectos que traducen mejor la personalidad humana, a través del reconocimiento de su actuación social garantizada”.5

Finalmente, uma questão deve ainda ser respondida antes de começarmos o estudo da história desses Direitos Humanos: o que são e como podem ser estudados.
Admitindo como sinônimas as expressões Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, podemos recorrer aos ensinamentos de Joaquim Carlos Salgado quando escreve que os Direitos Fundamentais são “matrizes de todos os demais; são direitos sem os quais não podemos exercer muitos outros. São os direitos fundamentais, direitos que dão fundamento a todos os demais”.6
Acrescenta ainda o professor mencionado que os Direitos Fundamentais não podem estar previstos em qualquer lei, mas devem estar garantidos por uma lei também fundamental, ou seja, a Constituição. Esses direitos apresentam dois aspectos: formal, onde aparecem como “direitos propriamente ditos”, garantidos numa Constituição; e material, onde são valores pré-constitucionais, produtos de culturas civilizadas, determinando o conteúdo desses direitos nas Constituições.7
José Carlos Vieira de Andrade examina os Direitos Fundamentais sob três perspectivas diferentes. A primeira será a filosófica ou jusnaturalista, na qual esses direitos começaram a existir. Dessa forma, eles podem ser considerados como direitos de “todos os homens, em todos os tempos e em todos os lugares”.
Os Direitos Fundamentais, em uma perspectiva filosófica, podem ser considerados para alguns, por exemplo, na sua dimensão natural, como direitos absolutos, imutáveis e intemporais, inerentes aos seres humanos. É dessa forma que na Declaração dos Direitos do Homem de 1789 (França) afirma-se que “o fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis, resumindo-se estes na liberdade, segurança, propriedade e resistência à opressão”.8
Encontramos ainda na classificação de José Carlos Vieira de Andrade uma segunda perspectiva pela qual se pode considerar os Direitos Fundamentais: a visão universalista ou internacionalista. Nesse sentido, observa o autor, vamos analisar os Direitos Fundamentais como direitos que devem ser impostos a todos os Estados. É a necessidade de se tentar garantir esses direitos a todos os seres humanos, em todos os lugares do mundo. Sem dúvida esta é uma das grandes discussões do nosso tempo, tanto quanto à necessidade de se fazer evoluir os mecanismos de proteção internacional dos Direitos Humanos (como tratado no livro A Proteção Internacional dos Direitos Humanos, do Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade), assim como as discussões sobre a possibilidade de falar-se em direitos universais por sobre as diversas culturas e logo as diversas formas de ver o mundo de senti-lo.
No tempo da Sociedade das Nações (em que Genebra era uma espécie de capital diplomática mundial, 1918) já havia preocupação com a internacionalização, mas foi após a Segunda Grande Guerra Mundial que efetivamente se sentiu de modo intenso a necessidade de se criarem mecanismos internacionais que garantissem esses Direitos Fundamentais em todos os Estados. Portanto, aproveitando os laços internacionais criados por motivo da guerra, declarou-se para todo o mundo os Direitos Fundamentais do ser humano, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em Paris em 10 de dezembro de 1948, que afirmava como fundamentais os direitos individuais, sociais e políticos, reconhecendo assim uma nova ordem social, onde o Estado estava definitivamente consagrado como administrador da sociedade.9 Importante entender sempre tais direitos como históricos, produtos de uma época e de uma cultura, sendo, pois, delimitados temporal e ainda espacialmente.
Entretanto, apesar de existir uma corrente que sustenta que o respeito a esses Direitos Fundamentais seja uma questão de direito internacional, esse entendimento não é pacífico, pois, para que exista uma eficácia desses princípios contidos nas declarações internacionais, e estes se tornem princípios jurídicos independentes da vontade dos Estados, são necessários meios de coerção eficazes postos à disposição dos Tribunais Internacionais, o que tem evoluído, mas não de maneira uniforme no mundo.10 Acrescente-se a discussão referente à sua universalização e à utilização desses direitos como forma de imposição cultural a formas de ver e sentir o mundo diferentes. Este assunto é tratado no nosso livro O Poder Municipal: paradigmas para o estado constitucional brasileiro 11
Finalmente podemos estudar estes direitos na perspectiva estatal ou constitucional,12 terceiro aspecto sob o qual podemos considerar os Direitos Humanos, e é justamente essa perspectiva que nos interessa de maneira especial para o presente estudo, com as necessárias incursões sobre a Teoria e a prática dos direitos humanos no direito constitucional. Esse perfil significa o estudo das declarações de direitos e garantias de direitos fundamentais contidas nas Constituições, sem esquecermos as localizações infraconstitucionais de sua variada temática.
Ao terminar a investigação dos textos constitucionais que elencam esses Direitos Fundamentais, será de grande importância notar que o conteúdo deles será diverso, ou seja, os Direitos Fundamentais foram acrescidos de novos grupos de direitos através dos tempos. Dessa forma, se inicialmente os Direitos Humanos eram como que sinônimo dos Direitos Individuais Fundamentais, com o decorrer do tempo a evolução dos fatos históricos vai determinar que o Estado venha também garantir os Direitos Sociais e Econômicos e a democracia como elemento essencial para estes direitos.
Abordaremos, portanto, inicialmente, a evolução histórica, para que tenhamos uma noção exata do atual grau de desenvolvimento e da correta dimensão histórica e espacial desses direitos, para, posteriormente, estudarmos os grupos de direitos fundamentais que compõem os Direitos Humanos e a relação necessária existente entre eles.
Convém ressaltar as intensas preocupações com os Direitos Humanos nos tempos modernos, sem esquecermos que esse interesse tem início sistemático com a Escola Clássica do Direito Natural – Hobbes, Spinoza, Puffendorf, Locke, Jefferson, Rousseau, Kant e outros. Para certos expositores, a garantia dos Direitos Humanos coincide com o movimento de estruturação dos Estados Modernos:

Se trata, no obstante, solamente de los derechos que en la terminologia moderna se suele denominar como derechos individuales del hombre, civiles y políticos. No es sino después, que se va a hablar también de los otros derechos humanos: de los derechos económicos, sociales y culturales. Aún así, el ambito de protección de los derechos se limitava a interior de los Estados y los gobiernos consideraban que podrían someter a su arbitrio las questiones concernientes a estes derechos.13

À proporção que a vida internacional passou a apresentar novas perspectivas e dimensões, começou-se a pensar na observância maior dos Direitos Humanos, transcendendo as fronteiras estatais, com preocupações sobre a competência internacional para exame da matéria, com vista ao papel que deveria assumir a comunidade internacional no processo de internacionalização dos Direitos Humanos.

Notas de rodapé

1 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982, p. 22.

2 Observa Jorge Miranda que os direitos de personalidade “são posições jurídicas fundamentais do homem que ele tem pelo simples fato de nascer e viver; são aspectos imediatos de exigência de integração do homem; são condições essenciais ao seu ver e dever; revelam o conteúdo necessário da personalidade; são direitos de exigir do outrem o respeito à própria personalidade; tem por objeto não algo de exterior ao sujeito, mas modos de ser físicos e morais da pessoa ou bens de personalidade física, moral e jurídica (MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1988, t. IV, p. 58.
3 SALGADO, Joaquim Carlos. Os direitos fundamentais e a constituinte. In: constituinte e Constituição. Belo Horizonte: Conselho de Extensão da UFMG, 1986, p. 11.
4 GUAITA, Aurélio. Regimen de los derechos fundamentales. Revista de Derecho Político. Madrid: Universidad Nacional de Educación a Distancia., n. 13, 1982, p. 77.
5 BIDART, Adolfo Gelsi. Crisis y afirmación de derechos humanos. Revista de la Faculdad de Derecho de México. Cuero, n. 85-86, p. 153-177, junio 1972.
6 SALGADO, Joaquim Carlos. Os direitos fundamentais e a constituinte. In: constituinte e Constituição, cit., p. 9-10.
7 SALGADO, Joaquim Carlos. Os direitos fundamentais e a constituinte. In: constituinte e Constituição, cit., p. 10.
8 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1983, p. 11-15.
9 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, cit., p. 16-17.
10 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, cit., 1983, p. 20-21.
11 Belo Horizonte: Del Rey
12 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, cit., 1983, p. 25.
13 GARCIA BAVER, Carlos. Teoría de los derechos humanos. Revista de Derecho y Ciencias Políticas. Lima, ano XXXIV, n. III, p. 443, 1970.

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